sábado, 30 de abril de 2022

A Roda do Tempo. O Olho do Mundo. Robert Jordan. «Tam estalou a língua, incitando Bela a voltar a andar, e eles retomaram sua jornada, o homem mais velho caminhando como se nada fora do normal tivesse acontecido e nada fora do normal pudesse acontecer»

Cortesia de wikipedia e jdact

Uma Estrada Deserta

«(…) Com a testa franzida, ele espiou a floresta ao redor; parecia diferente do que sempre fora. Praticamente desde que aprendera a andar, ele corria solto por ali. As lagoas e riachos da Floresta das Águas, além das últimas fazendas a leste de Campo de Emond, eram onde ele havia aprendido a nadar. Havia explorado as Colinas de Areia, o que muita gente nos Dois Rios dizia que dava azar, e certa vez chegara ao sopé das Montanhas da Névoa, ele e seus amigos mais próximos, Mat Cauthon e Perrin Aybara. Isso era muito mais longe do que a maioria das pessoas de Campo de Emond jamais tinha ido; para eles, uma jornada até a aldeia seguinte, subindo até a Colina da Vigília ou descendo até a Trilha de Deven, era um grande acontecimento. De todos aqueles lugares, não houvera um só que o fizesse sentir medo. Naquele dia, porém, a Floresta do Oeste não era mais o lugar do qual ele se lembrava. Um homem capaz de desaparecer tão de repente podia reaparecer da mesma maneira, talvez até mesmo ao lado deles.

Não, pai, não há necessidade. Quando Tam parou, surpreso, Rand encobriu o rubor puxando o capuz do seu manto. O senhor provavelmente tem razão. Não há necessidade de sair procurando o que não existe, não quando podemos aproveitar esse tempo para seguir até a aldeia e sair deste vento. Um cachimbo não seria nada mau, disse Tam devagar, assim como uma caneca de cerveja num lugar quente. Subitamente ele abriu um sorriso. E imagino que você esteja ansioso para ver Egwene. Rand conseguiu dar um sorriso fraco. De todas as coisas em que ele poderia querer pensar naquele instante, a filha do prefeito estava lá no fim da lista. Ele não precisava de mais confusão. Durante o último ano ela o vinha deixando cada vez mais nervoso sempre que estavam juntos. Pior, ela nem sequer parecia se dar conta disso. Não, ele certamente não queria somar Egwene a seus pensamentos. Estava torcendo para que o pai não tivesse notado que ele estava com medo quando Tam falou: Lembre-se da chama, rapaz, e do vazio. Essa era uma coisa estranha que Tam lhe havia ensinado. Concentrar-se numa única chama e alimentá-la com todas as suas paixões, medo, ódio, raiva, até sua mente ficar vazia. Torne-se um com o vazio, dizia Tam, e poderá fazer qualquer coisa. Ninguém mais em Campo de Emond falava assim. Mas Tam vencia o campeonato de arco e flecha no Bel Tine todo ano com sua chama e seu vazio. Rand achava que esse ano poderia obter uma boa colocação também, se conseguisse se ater ao vazio. O facto de Tam tocar no assunto naquele momento significava que havia notado, mas não disse mais nada a respeito.

Tam estalou a língua, incitando Bela a voltar a andar, e eles retomaram sua jornada, o homem mais velho caminhando como se nada fora do normal tivesse acontecido e nada fora do normal pudesse acontecer. Rand queria poder imitá-lo. Tentou criar o vazio na sua mente, mas ele lhe escapava. A todo o instante, imagens do cavaleiro de manto negro ficavam se formando na sua cabeça. Ele queria acreditar que Tam tinha razão, que o cavaleiro havia sido apenas imaginação, mas lembrava-se do sentimento de ódio muito bem. Alguém tinha estado ali. E esse alguém havia-lhe desejado mal. Ele não parou de olhar para trás até os telhados pontudos e altos de Campo de Emond começarem a cercá-lo. A aldeia ficava perto da Floresta do Oeste, a mata aos poucos rareando até as últimas árvores se erguerem já entre as casas baixas e sólidas. A terra se inclinava suavemente, descendo na direcção do leste. Embora houvesse trechos de mata, fazendas e campos e pastos demarcados por cercas vivas cobriam a terra como uma colcha de retalhos além da aldeia até à Floresta das Águas e seu emaranhado de riachos e lagoas. A terra que se estendia para oeste era igualmente fértil, e os pastos ali vicejavam quase todos os anos, mas havia apenas um punhado de fazendas na Floresta do Oeste». In Robert Jordan, A Roda do Tempo, O Olho do Mundo, 1990, Editora Intrinseca, 2013, ISBN 978-858-057-362-6.

Cortesia de EIntrinseca/JDACT

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