terça-feira, 26 de abril de 2022

Steve Jobs. Walter Isaacson. «Ele já começava a mostrar a mistura de sensibilidade e insensibilidade, irritabilidade e indiferença que o marcaria pelo resto da vida»

Cortesia da wikipedia e jdact

«As pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são aquelas que o mudam». In Pense diferente, Apple, 1997

Infância. Abandonado e escolhido. A adopção

«(…) Não, precisa de um amplificador, o pai lhe assegurou. E, quando Steve protestou, o pai disse que ele estava maluco. Não pode funcionar sem um amplificador. Tem algum truque nisso. Eu continuava dizendo que não ao meu pai, dizendo que ele tinha de ver a coisa, e por fim ele desceu a rua comigo e viu. E disse: Está bem, o diabo que me carregue!. Jobs lembrou-se do incidente vividamente porque foi a primeira vez que percebeu que seu pai não sabia tudo. Então, começou a se dar conta de uma coisa mais desconcertante: era mais inteligente do que os pais. Jobs sempre havia admirado a competência e a esperteza de seu pai. Ele não era um homem instruído, mas sempre achei que era bem inteligente. Não lia muito, mas era capaz de fazer muita coisa. Era capaz de entender quase tudo que fosse mecânico. No entanto, o incidente do microfone de carbono deu início a um processo dissonante de perceber que ele era de facto mais inteligente e perspicaz do que seus pais. Foi um momento muito importante, que está gravado na minha mente. Quando me dei conta de que era mais inteligente do que meus pais, senti uma vergonha tremenda por ter pensado isso. Nunca vou esquecer aquele momento. Essa descoberta, disse ele mais tarde a amigos, além do facto de que era adoptado, o fez-se sentir um pouco à parte, distante e separado, tanto de sua família como do mundo.

Outra camada de consciência se acrescentou a essa logo depois. Ele não só percebeu que era mais brilhante do que os pais como descobriu que eles sabiam disso. Paul e Clara Jobs eram pais amorosos e estavam dispostos a adaptar suas vidas à situação de ter um filho que era muito inteligente, e também teimoso. Eles se esforçariam muito para servi-lo, tratá-lo como alguém especial. E, em breve, Steve também descobriu esse facto. Meus pais me entenderam. Eles sentiram que tinham muita responsabilidade, depois que perceberam que eu era especial. Descobriam maneiras de me dar coisas e me pôr em escolas melhores. Estavam dispostos a se submeter às minhas necessidades. Desse modo, ele cresceu não só com o sentimento de ter sido abandonado, mas também de que era especial. Em sua opinião, isso foi mais importante na formação de sua personalidade.

Antes mesmo de entrar na escola, sua mãe o havia ensinado a ler. Isso, no entanto, criou alguns problemas. Eu andava meio entediado nos primeiros anos, então ocupava-me em encrencas. Também ficou logo claro que Jobs, por natureza e criação, não estava disposto a aceitar a autoridade. Me vi diante de uma autoridade de um tipo diferente da que eu conhecia, e não gostei. E eles realmente quase me pegaram. Chegaram perto de tirar qualquer curiosidade minha. Sua escola, a Monta Loma Elementary, uma série de prédios baixos dos anos 1950, ficava a quatro quadras (132 m) de sua casa. Ele combatia o tédio pregando peças. Eu tinha um amigo chamado Rick Ferrentino, e nós arranjávamos todo tipo de encrenca. Como quando fizemos pequenos cartazes anunciando Traga seu animal de estimação para a escola. Foi uma loucura, com cães perseguindo gatos por toda a parte, e os professores ficaram malucos. Noutra ocasião, eles convenceram as outras crianças a lhes dizer os números da combinação dos cadeados de suas bicicletas. Depois fomos para o pátio e trocamos todos os cadeados, e ninguém conseguiu sair com as bicicletas. Demoraram até tarde da noite para acertar as coisas. Quando ele estava no terceiro ano, as brincadeiras se tornaram um pouco mais perigosas. Uma vez detonamos um explosivo debaixo da cadeira da nossa professora, a senhora Thurman. Ela ficou com um tique nervoso. Não surpreende que ele tenha sido mandado para casa duas ou três vezes antes de terminar o quarto ano. Seu pai, no entanto, já havia começado a tratá-lo como especial, e na sua maneira calma, mas firme, deixou claro que esperava que a escola fizesse o mesmo. Olhe, não é culpa dele, disse Paul Jobs aos professores, conforme lembrou o filho. Se não conseguem mantê-lo interessado, a culpa é de vocês. Jobs não se lembrou de que seus pais alguma vez o tivessem punido pelas transgressões na escola. O pai do meu pai era alcoólatra e o chicoteava com um cinto, mas acho que eu nunca fui espancado. Seu pai e sua mãe, acrescentou, sabiam que a culpa era da escola por tentar me fazer memorizar coisas estúpidas em vez de me estimular. Ele já começava a mostrar a mistura de sensibilidade e insensibilidade, irritabilidade e indiferença que o marcaria pelo resto da vida». In Walter Isaacson, Steve Jobs (Edição 1), tradução de Berilo Vargas, Denise Bottmann, Pedro Soares, Editora Companhia das Letras, Wikipedia, iOS Books, LegiLibro, 2011, ISBN 978-853-591-971-4.

 Cortesia ECdasLetras/JDACT

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