terça-feira, 26 de julho de 2011

Fernando Correia de Oliveira: 500 anos de Contactos Luso-Chineses. Parte Ia. «A 18 de Maio de 1498, a armada do Gama chega a Calicut, e o primeiro desembarque dá-se três dias depois, alterando para sempre a geopolítica mundial. Os primeiros contactos físicos com chineses dar-se-iam 11 anos mais tarde, em Malaca»

Cortesia de foriente 

Foi mais forte o Vento de Oeste.
«A 20 de Dezenbro de 1999, daqui a 500 dias, as Berlengas passam de novo à soberania portuguesa, depois de este minúsculo arquipélago ter sido ocupado durante 565 anos pela China. É a última colónia asiática que resta na Europa, terminando assim um ciclo de expansão das potências orientais, iniciado nos primeiros anos do século XV.

Não, a história não se passou assim, mas podia perfeitamente ter-se passado. O que levou a que fosse o Ocidente a carregar os ventos dominantes da humanidade, de há 500 anos até hoje, e a partir de um pobre e despovoado território chamado Portugal? Porque não foi a China, já então o país mais populoso do mundo e, na altura, o mais avançado social e politicamente, a liderar o processo de mundivisão, dado que tinha os meios técnicos e humanos ao seu alcance para o fazer?
A História foi o que foi e, a 20 de Dezembro do próximo ano, a China retoma a administração de Macau, terminando aí o ciclo imperial asiático do Ocidente e iniciando-se um outro nas relações entre Lisboa e Beijing. É do diálogo pioneiro entre os extremos ocidental e oriental da grande massa euro-asiática, dos contactos, encontros e desencontros entre portugueses e chineses no último meio milénio, que iremos tratar.

Cortesia de foriente

A conquista de Ceuta, no Norte de África, em 1415, é considerada como o acto fundador da expansão portuguesa. Exactamente 73 anos depois, em 1488, Bartolomeu Dias realizava a grande viagem do século XV, o corolário da exploração da costa ocidental de África que entretanto foi sendo paulatinamente feita. Estava aberta a porta marítima para o Oriente; as águas do Atlântico e do Índico, ao contrário do que os livros e as lendas diziam, comunicavam entre si.

Mas, mesmo então, tudo poderia ter ficado por ali. Nas Cortes de Montemor-o-Novo (1495-96), convocadas por D. Manuel I, que ascendeu ao trono por morte de D. João II, a pergunta foi posta claramente:
  • avança-se mais?
  • As terras das especiarias valem o esforço em cabedais e gente?
Segundo os cronistas, «houve muitos e diferentes votos, e os mais foram que a Índia não se devia descobrir». Apesar disso, avançou-se.
O Velho do Restelo, símbolo encontrado por Camões para traduzir, afinal, a opinião maioritária das elites lusitanas (defendendo o exclusivo da expansão portuguesa no Norte de África), perdia. A 18 de Maio de 1498, a armada do Gama chega a Calicut, e o primeiro desembarque dá-se três dias depois, alterando para sempre a geopolítica mundial. Os primeiros contactos físicos com chineses dar-se-iam 11 anos mais tarde, em Malaca.

Cortesia de accemkdim

E na China, como decorreu o século XV, em termos de contactos com o exterior?
Estava-se na dinastia Ming (1368-1644). Em 1403, sobe ao trono o seu terceiro imperador, Yongle. Espelhando bem o tradicional desprezo confuciano pelas coisas materiais, pelo «mesquinho trato» do comércio, terá dito um dia, negando-se a taxar uns carregamentos de pimenta que mercadores islâmicos do Sueste Asiático, de visita à corte, tinham ido vender ao mercado chinês:
  • «[...] estes estrangeiros vieram de longe por admiração das luzes da nossa cultura. Se nós agora lhes retirássemos parte do seu lucro, o que lucraríamos nós? E com isso poríamos em risco a nossa honra!».
Seguindo a tradição milenar do Trono do Dragão, a China era o centro do mundo. Mas o seu imperialismo não era agressivo, antes paternalista. Era dever dos outros países prestarem-lhe homenagem mas, feito isso, poderiam continuar a governar-se como bem entendessem. Neste esquema harmonioso, cujo resultado final era o chamado comércio tributário, os Estados que nele entrassem tinham, periódica e regularmente, de pagar tributo ao imperador, reconhecendo-o como ser superior, divino. Assim, podiam comerciar em pontos especiais e muito limitados, ao longo da costa, em determinadas alturas do ano, e em troca apelar à protecção de Beijing (Pequim) em caso de contestação interna ou agressão de terceiros». In Fernando Correia de Oliveira, 500 anos de Contactos Luso-Chineses, Público, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-8179-28-6.

Cortesia de Fundação Oriente/JDACT