terça-feira, 19 de julho de 2011

José Manuel Anes: Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos: «De facto, os heterónimos, mas também todas as outras personalidades literárias, exerceram sempre em Pessoa, um poder de exorcização dos seus medos e angústias. Eles foram uma via terapêutica e catártica, nesse processo alquímico de sucessivas metamorfoses de aperfeiçoamento, de "nigredo a rubedo". Neste sentido, o seu encontro com o Mestre foi a libertação necessária para que o processo se iniciasse»


Cortesia de wikipedia

Neopaganismo.
«Como salienta Paula Costa, o neopaganismo pessoano está em consonância com toda a Obra do Mestre Caeiro; mas para além de Outros Poemas e Fragmentos, é sobretudo o conjunto de poemas de O Guardador de Rebanhos que revela o momento áureo desta doutrina do Mestre. Também se faz sentir na Obra dos seus dois apóstolos: nas Odes de Ricardo Reis e em toda a teorização, para além dos inúmeros projectos de textos teóricos que ficaram por cumprir, que desta doutrina também fez o filósofo e sociólogo António Mora. De entre estes projectos inacabados de Mora, destacam-se «O Regresso dos Deuses», os «Prolegómenos a uma reconstrução do paganismo» e as «Origens do Cristianismo». Também Pessoa, ele próprio, mostrou interesse pelo neopaganismo, e por isso, se incumbiu de ajudar a introduzir e a apresentar o movimento. A sua postura de verdadeiro entusiasmo por esta causa leva-o ao ponto de imaginar um «Conselho Magistral do Neopaganismo Português» que em si próprio tivesse delegado (que escrevesse o volume introdutório da sua propaganda exterior.

Cortesia de wikipedia

Esta questão religiosa paralelamente à literário-filosófica, foi, segundo Paula Costa, o centro em torno do qual todas estas personagens pessoanas se organizaram.
Como verdadeiros apóstolos sentados à mesa com o seu «Messias-Caeiro», Reis e Mora, mas também Campos, Soares e Pessoa, ouviram e aprenderam os seus ensinamentos, para depois da morte de Caeiro, em 1915, inevitável para todo o simbolismo que dessa morte precoce advém, poderem pregá-la e evangelizá-la.
De facto, os heterónimos, mas também todas as outras personalidades literárias, exerceram sempre em Pessoa, um poder de exorcização dos seus medos e angústias. Eles foram uma via terapêutica e catártica, nesse processo alquímico de sucessivas metamorfoses de aperfeiçoamento, de «nigredo a rubedo». Neste sentido, o seu encontro com o Mestre foi a libertação necessária para que o processo se iniciasse.

Cortesia de wikipedia

Em «Notas para a recordação do meu Mestre Caeiro» (conjunto de textos que testemunha a ficção que Pessoa criou entre o Mestre Caeiro e os outros discípulos) percebemos que o encontro com o Mestre não é mais do que um «ritual de iniciação» onde os «neófitos, Pessoa, Reis, Campos e Mora», recebem esse «abalo espiritual», necessário para a descoberta de si-próprio e dos mistérios do mundo.
Depois de ouvir Caeiro, Campos confessa que o Mestre o seduziu com «abalo que lhe entrou nos alicerces da alma»; acrescenta ainda que o «efeito sobre mim foi receber de repente, em todas as minhas sensações, uma virgindade que não tinha tido». Outro dos «apóstolos» de Caeiro, não identificado porque o texto não apresenta assinatura, fala também do Mestre como um «bálsamo» necessário à vida:
  • «Quando estou muito triste, leio Caeiro e é uma brisa. Fico logo calmo, cantante e com fé - sim, fico com fé em Deus, na alma, na pequenez transcendente da vida depois de ler os poemas d'este atheu de Deus e do homem sem além na própria terra».
In José Manuel Anes, Fernando pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.

Cortesia de Ésquilo/JDACT