quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Arquitectura Monástica e Conventual Feminina em Portugal, nos Séculos XIII e XIV. Francisco Correia Teixeira. «Há um silêncio por parte das próprias mulheres, que por vezes se rompe, mas que diz ao historiador muito menos do que aquilo que ele gostaria de saber»

Cortesia de wikipedia

Arquitectura monástica e conventual feminina
«A historiografia da arte encontrou até hoje nos mosteiros e conventos dos ramos femininos um lugar privilegiado, e aparentemente único, para poder analisar e responder à questão sobre a eventual especificidade do feminino na arquitectura medieval. Levantar o problema do lugar do feminino e da especificidade do espaço das mulheres é aceitar, implicitamente, a pertinência e a legitimidade historiográfica de uma História das Mulheres, realidade que durante o século XIX e início do século XX foi esquecida pelos historiadores profissionais. Sem dúvida que a pujança dos movimentos feministas na década de 60 permitiu o desenvolvimento de uma forma sustentada da História das Mulheres que deixou de ser considerada apenas como mais um capítulo da história Geral, a História dos Homens. O feminismo obrigou a historiografia a reinventar-se e a assumir que não interessa apenas colocar as mulheres na história, mas conceber uma História das Mulheres. Devemos destacar que esta história é uma história plural, das mulheres, e não apenas da mulher, e procuraremos ter sempre presente esta diferença na análise da arquitectura associada a diferentes percursos da religiosidade feminina. Essa análise, como estudo mais geral sobre o papel das mulheres na arte, encontra diversificada riqueza de textos e imagens como objecto de estudo, mas, infelizmente e como foi ainda recentemente destacado por Xavier Barral i Altet, essa riqueza não é extensível ao período românico onde nos deparamos com escassez de informação. Mais importante do que a apreciação sobre a diferente qualidade das fontes para vários períodos históricos, o que numa apreciação genérica é consensual, importa interrogar as próprias fontes no contexto da mudança de perspectiva trazida pela História das Mulheres. Por outras palavras, temos também de nos interrogar sobre o papel das mulheres na produção das próprias fontes. A esta interrogação não pode ser indiferente a questão do papel e da importância dos homens na formação dessa memória, numa Idade Média que é, antes de mais, masculina, para utilizar uma sugestiva expressão devida a Georges Duby. Daí que surja como indispensável estudar a História das Mulheres em relação com a História dos Homens, atendendo à diferença entre os dois sexos, e instaurando uma categoria fundamental para a História, o conceito de Género como categoria histórica. Esta categoria assume-se como um princípio de análise já que todas as sociedades apresentam diferenças de género quanto aos comportamentos, às actividades e quanto aos espaços.
O estudo das diferenças apresenta-se ainda como o estudo das relações entre o género feminino e o género masculino ao longo da História, o que significa também que o mundo dos objectos e da arte fazem necessariamente parte do estudo e do entendimento dessas relações e diferenças. No entanto, os olhares que nos chegam sobre as mulheres, o seu espaço e os objectos que as rodeiam, são maioritariamente masculinos. Há um silêncio por parte das próprias mulheres, que por vezes se rompe, mas que diz ao historiador muito menos do que aquilo que ele gostaria de saber. Assim se compreende que os estudos sobre as Mulheres possam muitas vezes ser encarados como, mais do que uma verdadeira História das Mulheres, uma História da visão dos homens sobre as mulheres. Esta perspectiva e limitação, consequência das características das diversas fontes, textuais, iconográficas, da cultura material ao dispor do historiador é claramente assumida por alguns historiadores, como Georges Duby. Daí naturalmente que se compreende também o nascimento de alguma crítica de sectores historiográficos mais optimistas a este respeito, nomeadamente por parte da historiografia americana.
Nessas sociedades as imagens constituíram sempre lugares privilegiados para a construção de tipos sociais, para a representação do poder e também para a representação dos lugares da mulher em sociedade. Compreende-se assim que a História de Arte, quando optou por uma visão feminista ou, pelo menos, quando teve em atenção os estudos de História das Mulheres, tenha privilegiado os estudos sobre as representações das mulheres. É igualmente no âmbito dos estudos das imagens medievais que deve ser integrado o colóquio realizado em 2001, no Museu de Unterlinder. Reunindo um conjunto de especialistas, estudou as relações entre mulheres, arte e religião na Idade Média, alargando a investigação a diferentes tipos de materiais e suportes para as imagens, bem como a diferentes objectos, mas em que a arquitectura como objecto de estudo aparentemente privilegiado para entender as relações entre estes três aspectos esteve infelizmente ausente. Neste panorama historiográfico constituiu uma primeira excepção o já citado número especial da revista Gesta, de 1992, dedicado exclusivamente à arquitectura monástica feminina. Embora este número aparecesse então como particularmente auspicioso para o futuro dos estudos sobre a arquitectura monástica, mostrando a necessidade de diferenciar os espaços que serviam comunidades femininas, os progressos na historiografia da arte desde então parecem tímidos, se exceptuarmos o interesse pelo tema na historiografia europeia de diferentes países. Esse número temático permitiu estabelecer questões fundamentais para a problemática da arquitectura das casas de religiosas. A primeira foi sem dúvida o problema da clausura, cujo interesse, através da sua evolução histórica, residirá não tanto na sua associação ao tema da decadência de mosteiros e conventos femininos, mas no modo como essa clausura é reforçada através da arquitectura. Significa isto que o espaço monástico e, em particular o espaço sagrado da igreja, deve ser analisado face às restrições a que a clausura própria destas comunidades obriga, e os eventuais dispositivos arquitectónicos que dão força e valor a essa prática religiosa.

A Alta Idade Média e o plano beneditino
Nos primeiros tempos do cristianismo, à semelhança dos homens que se retiravam do mundo para seguir em isolamento uma vida religiosa, o mesmo se passou com mulheres que em grupos, formavam pequenas comunidades, vivendo muitas vezes numa casa. Consagravam-se à oração, num quotidiano de pobreza, ou pelo menos de austeridade, na maneira de vestir. Muitas vezes, estas mulheres pertenciam à mesma família, habitando conjuntamente com outras mulheres delas dependentes. Mais do que religiosas, estas comunidades de mulheres correspondiam mais propriamente à concretização de um ideal de laicas virtuosas, vivendo em castidade e dedicando-se a trabalhos têxteis. Viviam praticamente em família constituindo por vezes aquilo que era um parthénon, ou um grupo de jovens virgens, como aconteceu nos fins do século III com a irmã de Santo Antão, o santificado eremita dos princípios do Cristianismo». In Francisco M. Correia Teixeira, A Arquitectura Monástica e Conventual Feminina em Portugal, nos Séculos XIII e XIV, Tese de Doutoramento, História da Arte Islâmica e Medieval, Universidade do Algarve, Faculdade de CH e Sociais, Faro, 2007.

Cortesia da UAlgarve/JDACT