domingo, 30 de novembro de 2014

Philosophari placet sed pavcis. Nair de Nazaré Soares. «Salutati será o pregoeiro do ideal de vida activa e integrará com Leonardo Bruni e Leon Battista Alberti a primeira geração do humanismo civil italiano. Entre nós, Cataldo, o introdutor do Humanismo em Portugal»

Cortesia de wikipedia

Philosophari placet, sed pavcis…
«(…) Traduções em língua vulgar fazem-se em toda a Europa culta até finais do século XVI, de que são exemplo as versões francesas de Claude Seyssel, Étienne de la Boétie, Amyot e Louys le Roy. Em língua castelhana, as de Diego Gracián de Alderete e em língua portuguesa, as de Duarte de Resende, Damião de Góis, Diogo de Teive e António Pinheiro. Não resistimos a referir, a este propósito, a importância das descobertas de textos essenciais da Antiguidade clássica e o empenhamento e afã dos primeiros humanistas na sua busca, Petrarca, Boccacio, Salutati, Poggio, de quem se conhece a correspondência com os monges de Alcobaça, no sentido da aquisição de exemplares existentes neste mosteiro. São os primeiros humanistas italianos, empenhados na vida pública das suas cidades e na formação integral dos concidadãos, que impõem ao mundo culto os padrões de uma educação aristocrática. Os studia humanitatis deixam de limitar o seu âmbito aos auctores medievais e abrem-se à literatura, à filosofia e até à arte da Antiguidade Clássica. O novo curriculum, alargado à história, à poesia, à ética e às artes da pintura, escultura, arquitectura e desenho, figura já no Panepistemon de Angelo Poliziano. Intencionalmente, a filosofia moral torna-se um traço característico da vida intelectual deste período, de par com o conhecimento da história e do direito, disciplinas que preparam para a vida activa. Na linha da tradição aristotélico-tomista, em convergência com a doutrina platónica, e sob o signo do franciscanismo e do scotismo, Salutati será o pregoeiro do ideal de vida activa e integrará com Leonardo Bruni e Leon Battista Alberti a primeira geração do humanismo civil italiano.
No humanismo renascentista, o saber clássico é essencialmente fruto da instituição docente. Se alguns dos primeiros humanistas italianos, a começar por Petrarca, não se encontram directamente ligados à docência, a segunda geração de humanistas e os principais representantes do humanismo europeu são em grande parte indissociáveis da história da pedagogia. São eles os autores dos tratados pedagógicos desta época, subsidiários, quer do ponto de vista estético, quer do ponto de vista doutrinal, dos ideais educativos do humanismo greco-latino, que confluem com a ética cristã, numa interdependência e complementaridade entre humanitas epietas, a exemplo do que já acontecera com os autores da Patrística. Menção especial, neste sentido, merece o opúsculo de S. Basílio Magno sobre a forma de ler os clássicos, que Leonardo Bruni traduz para latim e dedica em 1405 a Coluccio Salutati. Este texto de S. Basílio, De legendis antiquorum libris, é frequentemente citado pelos humanistas, o que prova bem a orientação dada à leitura das obras da Antiguidade pagã. Entre nós, Cataldo, o introdutor do Humanismo em Portugal, apresenta a autoridade de S. Basílio, ao aconselhar a leitura dos escritores e poetas da Antiguidade pagã para inteligência da sacra página. Fá-lo em carta que dirige a Fernando Meneses, escrita em fins de 1499 ou em Janeiro/Fevereiro de 1500, considerada o primeiro manifesto publicado em Portugal, em defesa do latim humanístico contra a barbárie estilística do latim medieval, na linha de Lorenzo Valia. Aliás os autores da Patrística são ensinados nas escolas humanistas, como na de Guarino de Verona, considerado, com Vittorino Feltre, modelo de educador. Figuram, a par dos clássicos, na ratio studiorum proposta pelos tratadistas pedagógicos europeus e merecem ser comentados e editados, desde o Quattrocento italiano, e designadamente por Erasmo. Santo Agostinho, com Cícero e Séneca, moldou a alma de Petrarca, o primeiro humanista. Além disso, a concordância entre a doutrina de Cícero no De oratore e a de Santo Agostinho no De doctrina christiana tomou-se pedra angular na definição de uma estética retórica cristã, de que é expoente máximo, no século XVI, a obra de Erasmo, bem como de uma oratória eclesiástica tridentina. Ilustrativa, neste particular, é a Ecclesiasticae rhetoricae libri sex (Olissypone, 1576) de frei Luís Granada». In Nair de Nazaré Castro Soares, Philosophari placet sed pavcis, Universidade de Coimbra, Revista Hvmanitas, volume L, 1998.

Cortesia da UCoimbra/JDACT