sábado, 15 de novembro de 2014

O Comportamento Cultural dos Macaenses perante o Nascimento. Isabel Correia Pinto. «É como uma ilusão de encontrar, às portas do Império do Meio, uma caixa de bombons antiga, com ruínas cristãs que parecem atestar que outra coisa não houve jamais, nesta terra longínqua, que não fossem os nossos velhos monumentos e as nossas velhas crenças»

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Conceito de etnia macaense
«(…) De tudo o que foi referido, fica-nos a ideia de que o macaense é um mestiço português euro-asiático, cuja língua materna é o português caracterizado por uma pronúncia regional. Sendo de salientar, que as gerações mais antigas tinham também um modo de falar próprio, o patuá, que por razões várias, caiu em desuso nas primeiras décadas deste século. Para além do português, o macaense aprende quase sempre desde tenra idade o cantonense, o que faz dele um bilingue, dominando também muitas vezes o inglês. O macaense é católico, no meio de milhares de budistas que o cercam e identifica-se com a cultura portuguesa, não lhe sendo estranha no entanto a cultura chinesa, já que foi criado também em contacto com ela. Esta situação, traduziu -a Cecília Jorge num poema, de que transcrevemos uma passagem e que retrata bem um conceito sentido, (já que a autora é macaense), nessa ambivalência de uma identidade étnica, que se foi formando numa encruzilhada de povos e culturas, com acesso a todos mas sem pertencer a nenhum, senão o ser macaense.

Breve história de Macau
Macau é um pequeno território com uma longitude Este entre 113.º 34' 47" e 113.º 35' 20", e uma latitude Norte entre 22.º 06' 40" e 22.º 12' 01" situado na costa Sul da China, na margem direita da foz do delta formado pela confluência de dois rios: o rio do Oeste (Xi Yiang) e o rio das Pérolas (ZhtYiang). Metade da sua área constituída por terras conquistadas ao mar. Esta área está distribuída pela península de Macau e pelas ilhas de Taipa e Coloane que lhe estão adjacentes. Macau tem ligação directa com a ilha da Taipa através de duas pontes, estando a ligação entre esta ilha e a de Coloane assegurada por um istmo. Sem terrenos de cultivo ou grandes indústrias, Macau vive sobretudo do jogo. Neste estão também incluídas corridas de cavalos e de cães, mas são sobretudo os casinos (alguns dos quais a funcionar 24 horas por dia), que fazem do território a 2ª metrópole do jogo a seguir a Las Vegas. Este facto beneficia também o sector do turismo, que para além do movimento provocado por quem vem conhecer a cidade, faz com que os hotéis se encham sobretudo ao fim de semana de jogadores vindos de vários pontos da Ásia. É este vaivém constante de gente e o facto da cidade de Macau possuir a maior densidade populacional do mundo que lhe dão uma cor e um ritmo muito próprios. Numa cidade espartilhada entre a grande China e o mar, com ele disputa o espaço e ao mesmo tempo cresce em altura parecendo querer tocar o céu. Cidade antiga e moderna, onde o contraste nos surpreende a cada esquina: é a velha calçada à portuguesa, são os pátios e becos escondidos que fazem fronteira com avenidas de asfalto, são paredes de pedra e argamassa que espreitam por entre torres de vidro e de betão, é gente que passa, loira, morena, olhos redondos ou amendoados, dialectos estranhos ou familiares, assim é Macau. São templos e palacetes, vestígios de um passado que se enquadram numa cidade apressada e barulhenta como uma pintura surrealista. E a observá-la, para além do tempo, estão fortalezas e baluartes com canhões adormecidos nas ameias, guardando uma cidade que já não sabe guardar-se a si própria, porque os perigos que a espreitam hoje já não lhe vêm do mar. Estão dentro de si, na sombra de alguns dos que a habitam e tecem as malhas de uma outra cidade, feia e triste, onde os homens perderam a inocência e se vestem todos os dias de desencanto. Assim é Macau. Mas do alto dos edifícios de betão e vidro a cidade é uma só. Transforma-se por magia em miniatura, nós somos Guliver e Macau abarca-se num só olhar. A noite cai devagar. A cidade é um presépio a brilhar numa profusão de luz e cor, ilha suspensa em duas pontes, dois dragões ondulantes a brilhar pelo mar fora. E o farol da Guia continua a rodar, firme no seu posto como um velho general, embora a sua luz que guiou tantos barcos, hoje ilumine quase só as torres de betão. Porém, continua a ser guardião da sua fortaleza e o seu recorte na penumbra da noite traz à memória a magia de outras eras. Macau, cidade do Nome de Deus, que é feito dos outros Deuses a quem prestas culto nos templos, festas e tradições? Zangaram-se talvez os Deuses, porque o teu nome fala apenas num só. E esse Deus que ao teu nome ligaste, saberão os que hoje te habitam, qual deles é? E porque tem uma cidade no extremo sul da China, um nome tão invulgar? Porquê nesse local uma cidade assim? Um europeu, o conde de Beauvoir, ao visitar Macau em 1867, escrevia: É como uma ilusão de encontrar, às portas do Império do Meio, uma caixa de bombons antiga, com ruínas cristãs que parecem atestar que outra coisa não houve jamais, nesta terra longínqua, que não fossem os nossos velhos monumentos e as nossas velhas crenças…» In Isabel Maria R. Correia Pinto, O Comportamento Cultural dos Macaenses perante o Nascimento, Imprensa Oficial de Macau, Fundação Oriente, 2001, ISBN 99937-603-1-5.

Cortesia de FOriente/JDACT