quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A Conquista de Lisboa. 1578 1583. Violência Militar. Comunidade Política. Rafael Valladares. «Senhor da fúria e da vingança, impiedoso e cruel, as suas tropas perpetraram pilhagens indiscriminadas contra cidades que se haviam rendido e, pior ainda, sem qualquer respeito pelas tradições do código humanitário da guerra»

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Violência
A escolha de Alba
«(…) Saiu a cavalo, de casaca branca e azul (as cores do brasão dos Toledo). Até o duque de Alba (Fernando Álvarez de Toledo, terceiro duque de Alba) estar disposto a encabeçar o seu exército a caminho de Lisboa, por volta de finais de Junho de 1580, decorreram vários meses de preparativos intensos. A naturalidade com que hoje enquadramos a sua figura à frente da conquista de Portugal desafia alguns pontos estabelecidos pela historiografia. Os motivos pelos quais se escolheu Alba para aquela difícil campanha não têm relação directa com a sua alegada experiência militar, certamente incontestável, mas antes com a mensagem de autoridade e terror transmitida pela sua figura. Entre 1566 e 1580, ou seja, durante os anos anteriores à sua actuação em Portugal, Alba tornara-se um ícone apocalíptico para muitos europeus, seguramente para sua mágoa. As gravuras em que era representado a exercer justiça com um aspecto diabólico ou que ridicularizavam a estátua de herói que ele próprio mandara erigir em Antuérpia corriam por vários países.
Devido à repressão que Filipe II lhe ordenara que impusesse nos Países Baixos, o período que ali passou como governador-geral, entre 1567 e 1573, vinculou-o para sempre ao pior da lenda negra anti-espanhola. Senhor da fúria e da vingança, impiedoso e cruel, as suas tropas perpetraram pilhagens indiscriminadas contra cidades que se haviam rendido e, pior ainda, sem qualquer respeito pelas tradições do código humanitário da guerra. As execuções em massa (incluindo mulheres e crianças) que, pelo menos sob a sua responsabilidade nominal, viram os olhos dos sobrevivente s de Zutphen e Naarden, em 11 e 22 de Novembro de 1572, respectivamente, ou os dois mil homens da guarnição de Haarlem passados pela espada após entregarem a cidade a 12 de Julho de 1573, foram a par com o pesadelo do Tribunal dos Tumultos, criado em Antuérpia para julgar sumariamente uns doze mil rebeldes, dos quais mais de mil perderam a vida e mais de nove mil os seus bens. O terror, como ele próprio insistia, acabava por ser o melhor instrumento para conduzir os revoltados à obediência. Desde então, este rótulo de apresentação acompanharia o duque onde quer que fosse, pelo que não há razões para duvidar que isso não tivesse acontecido também em Portugal, onde, entre 1578 e 1580, a repressão da sublevação de outros vassalos, os mouriscos das Alpujarras e, certamente, a guerra da Flandres se incorporaram no debate entre aqueles que, com estes e outros exemplos, procuravam demonstrar a força ou a debilidade, consoante o partido de que se tratasse, do poder militar filipino. Isto explica que, quando se soube que Alba fora o escolhido por Filipe II para invadir Portugal, os portugueses sentiram-no profundamente, parecendo-lhes que o empreendimento iria até ao fim.
Se foi realmente assim, Madrid levara a melhor. Nascido em 1507, o velho duque, pois em 1580 contava setenta e três anos, acumulara uma folha de serviço tão espantosa como temível na altura de se pensar nele para a conquista portuguesa. Por um lado, a sua experiência militar abarcava operações que iam da conquista de Navarra em 1512 (sendo apenas uma criança a acompanhar o avô), Itália, Países Baixos, Alemanha (estando presente na batalha de Mülhberg, em 1547), França ou ao norte de África. Por outro, no entanto, não se escondia a ninguém que boa parte destas operações haviam estado relacionadas com a política espanhola de protectorado imperial e com a repressão de vassalos rebeldes, e não somente contra inimigos estrangeiros. Em Itália, por volta de meados do século, havia Toledos com cargos em Nápoles, Florença e no Vaticano, e Alba, apesar do seu castelhanismo decidido, seria a cabeça de um clã italiano comparável em influência aos Farnésio e aos Gonzaga. Os laços matrimoniais contribuíram para selar lealdades entre, por exemplo, os Medici da Toscânia e a influente família romana dos Colonna. Especialmente útil para Madrid revelou-se a ascendência de Alba sobre Génova, onde a guerra civil desencadeada em Março de 1575 entre a velha e a nova nobreza pôs em perigo o alinhamento pró-espanhol da república, iniciado na década de 1520 sob influência da família Doria. Veio a ser o próprio duque Fernando quem incitou ao apoio militar dos velhos nobres para os repor no governo, uma vez desiludido com o seu pacifismo inicial. O restabelecimento do pacto doriano em Março de 1576 consagrou o equilíbrio de facções entre os genoveses, o que não pouco ficou a dever aos conselhos de Alba. Este, não obstante demonstrações tão políticas como a referida, havia acumulado uma fama muito maior como braço da autoridade régia frente a vassalos revoltados. Foi Alba quem reprimiu a recusa fiscal de Gante em 1537, através do recurso imoderado à força, e foi também ele o responsável por levar de Itália até Bruxelas, trinta anos depois, o exército que haveria de utilizar intensivamente para afogar em sangue os protestos dos flamengos contra Filipe II». In Rafael Valladares, A Conquista de Lisboa, 1578-1583, Violência Militar e Comunidade Política em Portugal, Texto Editores, Alfragide, 2010, ISBN 978-972-47-4111-6.

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