quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Joana. A Louca. Rainha Joana I de Espanha. Linda Carlino. «… uma grande injustiça, mas se isso vos deixa mais satisfeito, então aceitarei as alterações. - Tenho de vos lembrar que não vos compete aceitar ou não. Na Flandres, uma esposa faz aquilo que lhe ordenam. Que havia Joana de fazer?»

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Casamento
«(…) Joana engoliu em seco. Deixara-se levar alegremente por aquela onda de atitudes impensadas, despreocupadas e indecorosas, inebriada pela aceitação imediata da normalidade daqueles hábitos permissivos. Agora, um dos seus jovens conterrâneos lembrara-lhe claramente e em público que isso não estava de acordo com a sua educação espanhola. Joana sentiu-se envergonhada. Filipe afastou-se da jovem cujos encantos muito o haviam atraído, uma elegante dama de lábios quentes que lhe exigiam beijos. A interrupção não lhe agradou nada e atravessou a sala, irado. – Senhores, quem foi o causador disto e porquê? O conde de Chimay narrou o que se passara, afagando a gola de pele de raposa do seu manto curto com os dedos gordos; depois, com um gesto da mão que pretendia descartar aquele episódio idiota, comentou: - sabeis como são estes espanhóis ridículos, não sabem descontrair-se e gozar a vida. Filipe, porém, não deixou cair o assunto.
 - Vejo, senhor, que sentis a mesma preocupação pela honra destas damas que haveis dispensado aos cavalos que me trouxestes. Louvo-vos pelo vosso alto grau de sensibilidade. Tendes toda a razão sobre os homens que se encostam às saias das nossas belas damas. Sugere falta de respeito. Senhores, que eu não volte a testemunhar tal acto. - Virou-se para Joana. -Acompanhais-me na próxima dança? Afinal, não se zangara com ela! Joana não tinha culpa e o rosado da vergonha transformou-se em desejo. Podia agora pegar-lhe na mão e olhá-lo nos olhos. Regressara à sua pequena ilha de total felicidade. - Os vossos lacaios vieram ver-me hoje, anunciou ele friamente, enquanto iam trocando de lugar e fazendo vénias um ao outro. - E trouxeram com eles todos os seus cansativos problemas. Digo-vos que estou farto. A raiz do problema é o facto de terdes demasiados criados. São muito caros e recuso-me a ser constantemente incomodado por causa dos seus ordenados. Chegou a altura de serem despedidos e substituídos pela boa gente da Borgonha. Há já algum tempo que me preocupa o facto de o meu dinheiro ir parar à mão de estrangeiros. Contudo vou dar instruções a Chimay para que faça alguns pagamentos provisórios até que se trate de tudo para os enviar para casa. - Poderei ficar com os meus criados pessoais?
 - Alguns, teremos de ver quantos. Chimay conta-me que a maior parte está aqui para espiar em nome da Espanha, o que tem de ser rectificado imediatamente. - Senhor, fazeis-lhes uma grande injustiça, mas se isso vos deixa mais satisfeito, então aceitarei as alterações. - Tenho de vos lembrar que não vos compete aceitar ou não. Na Flandres, uma esposa faz aquilo que lhe ordenam. Que havia Joana de fazer? Iria ter mais Madames Halewyns em seu redor. Vozes frias e desdenhosas estariam à espera, ávidas de cada palavra sua, prontas a ridicularizá-la. O tio tinha razão; os flamengos eram na sua maioria maus e vingativos e não gostavam da presença dela. Tinha de se proteger deles. Era vital existir uma corte espanhola, mesmo que pequena. O aperto na garganta quase a asfixiava e Joana engoliu as lágrimas que ameaçavam derramar-se. Tinha de descobrir forma de persuadir Filipe a ser generoso. A dança terminou. - Vireis ao meu leito esta noite?, insinuou-se ela meigamente, olhando-o sub-repticiamente e puxando-lhe a manga de forma sedutora. - Veremos, veremos. Não posso visitar-vos todas as noites. Beijou-lhe a mão, roçou-lhe a face com os lábios e conduziu-a ao lugar junto de Margarida, antes de se afastar para o outro lado da sala, ao encontro da dama cujos modos sedutores o começavam a excitar; depois teria de ir lidar com aqueles espanhóis conflituosos. Não se preocupou muito pelo facto de não a encontrar, pois decidira que, afinal, iria visitar Joana. Esta estava impaciente pelo fim do baile para que ela e Filipe pudessem deitar-se juntos. Iria pedir a Zayda que a banhasse em água perfumada, lhe esfregasse os cabelos com óleos aromáticos e lhe vestisse uma camisa bem decotada e que lhe caísse prontamente dos ombros. Ou talvez usasse apenas um leve manto sobre a sua nudez. Depois, Filipe entraria no seu quarto, despindo as roupas ao aproximar-se do leito e o acto do amor teria início, ao princípio lentamente, enquanto a paixão os aquecia, até que... Corou, antecipando o prazer. Aprendera tanto em tão pouco tempo». In Linda Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.

Cortesia de E. Presença/JDACT