domingo, 30 de novembro de 2014

A História Secreta dos Jesuítas. Edmond Paris. «… misticismo por alguém possuidor de uma inteligência brilhante. A mente fraca, entregue ao misticismo, encontra-se em área perigosa, mas o místico inteligente representa um perigo muito maior, pois seu intelecto trabalha em maior profundidade e amplitude…»

Cortesia de wikipedia

Fundação da Ordem Jesuíta
«(…) Ele deixou os livros de lado e começou a imaginar e sonhar. Um típico caso de sonhar acordado, uma continuação na vida adulta do jogo imaginário infantil. Se deixarmos que este invada o domínio físico, o resultado é uma neurose e uma alienação da vontade: o que é real fica em segundo plano. À primeira vista, esse diagnóstico parece difícil de ser aplicado ao fundador de uma Ordem tão activa. O mesmo ocorre em relação a outros grandes místicos e criadores de sociedades religiosas, todos aparentemente muito capacitados para organizações. Acreditamos, no entanto, que todos fossem incapazes de resistir a suas imaginações superactivas e, para eles, o impossível torna-se possível. O mesmo autor também diz sobre o assunto: Quero ressaltar o resultado óbvio da prática do misticismo por alguém possuidor de uma inteligência brilhante. A mente fraca, entregue ao misticismo, encontra-se em área perigosa, mas o místico inteligente representa um perigo muito maior, pois seu intelecto trabalha em maior profundidade e amplitude. Quando o mito assume o controle da realidade, através de uma inteligência activa, torna-se mero fanatismo; uma infecção da vontade que sofre de um alargamento ou distorção parcial. Ignácio de Loyola foi um exemplo típico desse misticismo activo e distorção da vontade. A transformação do cavaleiro-guerreiro em fundador da Ordem mais militante da Igreja Romana foi muito lenta; haveria muitos passos vacilantes antes dele encontrar sua verdadeira vocação.
Na primavera de 1522, ele deixou o castelo ancestral com a ideia de se tornar um santo semelhante àqueles cujas façanhas edificantes havia constatado naquele grande livro gótico. Além disso, segundo ele, a própria Virgem lhe teria aparecido numa noite, segurando nos braços o menino Jesus. Um soldado desobediente e presunçoso, disse um de seus comandantes; levava uma vida desregrada em tudo que tratasse de mulheres, jogos e duelos, acrescentou seu secretário Polanco. Tudo isso foi relatado por um de seus filhos espirituais, R Rouquette, que tentou de alguma maneira explicar e desculpar esse temperamento explosivo que, posteriormente, se tornou ad majorem Dei gloriam (para a glória suprema de Deus). Como é o caso de muitos heróis da Igreja Católica Romana, era necessário um golpe físico violento para mudar sua personalidade. Ele havia sido mensageiro do tesoureiro de Castilla até à desgraça do seu chefe. Depois tornou-se cavaleiro sob as ordens do vice-rei de Navarra. Tendo vivido tal qual um cortesão, o jovem começou a sua vida de soldado defendendo Pampeluna (Pamplona) contra os franceses, comandados pelo conde de Foix.
O ferimento que decidiu o futuro de sua vida foi-lhe infligido nessa ocasião. Com a perna quebrada por um tiro, foi levado pelos franceses a seu irmão, Martin Garcia, no castelo de Loyola, iniciando-se o martírio das cirurgias sem anestesia, pois o trabalho não havia sido bem feito. Sua perna foi quebrada novamente e recolocada no lugar. Apesar de tudo isso, Ignácio acabou ficando coxo. É compreensível que apenas uma experiência como essa poderia causar-lhe um esgotamento nervoso. O dom das lágrimas, o qual lhe foi, então, outorgado em abundância (e que seus biógrafos acreditam como um favor dos céus), pode ser o resultado de sua natureza profundamente emocional, afectando-o mais e mais. Enquanto estava deitado, sofrendo as dores do ferimento, seu único divertimento era a leitura de A Vida de Cristo e A Vida dos Santos, os únicos livros que encontrou no castelo. Praticamente iletrado e ainda afectado por aquele choque terrível, a angústia da Paixão de Cristo e o martírio dos santos tiveram um forte impacto sobre ele; essa obsessão levou o guerreiro aleijado ao caminho do apostolado. Após uma confissão detalhada no monastério de Montserrat, Ignácio tencionava ir a Jerusalém. A peste era comum em Barcelona e, como todo o tráfego marítimo estava interrompido, teve de permanecer em Manresa por aproximadamente um ano.
Passava o tempo em orações, longos jejuns e auto-flagelação, praticando todas as formas de maceração. Além disso, nunca perdia a chance de se apresentar diante do tribunal de penitência, apesar de sua confissão em Montserrat ter aparentemente durado três dias. Tal confissão minuciosa teria sido suficiente a um pecador menos escrupuloso. Tudo isso descreve claramente o estado mental e nervoso desse homem. Finalmente, ao se libertar da obsessão de pecado, decidiu que aquilo era, nada mais nada menos, que um truque de satã, e devotou-se inteiramente às ricas e variadas visões assaltavam sua mente conturbada. Foi por causa de uma visão, diz H. Boehmer, que ele começou a comer carne novamente. Uma série completa de visões que lhe revelou os mistérios do dogma católico e o ajudou a vivê-lo verdadeiramente. Dessa forma, ele medita sobre a Santíssima Trindade como sendo um instrumento musical de três cordas:
  • o mistério da criação do mundo a partir de alguma coisa nublada e a luz vinda de um raio de sol;
  • a milagrosa vinda de Cristo na Eucaristia, como flashes de luz penetrando na água consagrada, quando o sacerdote a toma durante a oração;
  • a natureza humana de Cristo e da Virgem Santíssima, sob a forma de um corpo branco deslumbrante;
  • satã como uma forma sinuosa e cintilante, semelhante a uma imensidão de olhos brilhantes e misteriosos.
Não é este o começo da produção da imagem jesuítica conhecida? Em Abril de 1527, a Inquisição (maldita) leva Ignácio à prisão para julgá-lo por acusações de heresia. O inquérito examinou aqueles incidentes estranhos ocorridos entre seus devotos; as declarações excêntricas do acusado sobre o poder excepcional que sua castidade lhe conferia, e sua teoria bizarra sobre a diferença entre os pecados mortais e veniais. Essas teorias tinham afinidades assustadoras com as teorias dos jesuítas casuístas do período seguinte. Libertado, mas proibido de realizar reuniões, Ignácio partiu para Salamanca e logo deu início às mesmas actividades. Suspeitas parecidas entre os inquisidores o levaram novamente à prisão. A liberdade só lhe seria possível mediante a suspensão de tal conduta. Assim foi; viajou a Paris para continuar seus estudos na faculdade de Montaigu. Seus esforços para doutrinar seus colegas estudantes dentro de seus métodos singulares criaram-lhe novos problemas com a Inquisição (maldita). Tornando-se mais prudente, passou a se encontrar com apenas seis de seus amigos de faculdade. Dois dentre eles viriam a se tornar recrutas profundamente estimados: Salmeron e Lainez. O que teria ele de especial, que pudesse atrair de forma tão poderosa jovens a um velho aluno? Talvez o seu ideal e um certo charme, além de um pequeno livro, na verdade um livrete que, independente de sua pequena dimensão, tornou-se um dos livros de maior influência nos destinos da humanidade. Esse livro foi editado tantas vezes que o número de cópias é desconhecido; também foi objecto de mais de 400 comentários. É o livro guia dos jesuítas e, ao mesmo tempo, o resumo do longo desenvolvimento pessoal do seu mestre: os Exercícios Espirituais».
In Edmond Paris, Histoire secrète des jésuites, A História Secreta dos Jesuítas, tradução de Josef Sued, 1997, Chick Publications, 21ª edição, Fundação Biblioteca Nacional, 2000, ISBN 093-795-810-7.

Cortesia de FBN/JDACT