segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O atentado contra Miguel Vasconcelos em 1634. António Oliveira. «O mérito de Diogo Soares consistiu precisamente em alvitrar fontes de receita que pudessem ser arrecadadas independentemente da obstrução dos ‘populares, sem respecto ao governo, tribunal ou pessoa particular’»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A resistência, ou o desmazelo administrativo do sector das finanças públicas, levou o governo de Lisboa a considerar, em 1631, o erário régio completamente empenhado, incapaz de suprir um financiamento pontual destinado à recuperação de Pernambuco. Diogo Soares, porém, descobriu que não era bem assim: não só havia possibilidade de conseguir dinheiro imediato destinado ao socorro do Brasil, através de uma melhor cobrança de certas dívidas do Estado, como existiam avultados efeitos livres de consignações, o que permitia situar em Portugal uma renda anual de 500000 cruzados. Destes ingressos não havia notícia ou, o que significava o mesmo, o conhecimento deles era tão confuso que Madrid não podia contar com eles. Difícil, porém, seria cobrá-los através de organismos institucionalizados em Portugal, dada a oposição à pressão fiscal, bem acentuada a partir da crise de 1627-1628. O mérito de Diogo Soares consistiu precisamente em alvitrar fontes de receita que pudessem ser arrecadadas independentemente da obstrução dos populares, sem respecto ao governo, tribunal ou pessoa particular. Para o efeito propôs uma Junta da Fazenda, havendo-lhe sido concedida a faculdade, pelo conhecimento que tinha da matéria, de apresentar os seus membros. À Junta incumbia, para além da cobrança dos efeitos que lhe estavam consignados, a preparação da armada a enviar a Pernambuco, dado que havia pouco que fiar dos ministros encarregados do apresto das naus: a cobrança das receitas implicava o controlo da sua aplicação. A presidência da Junta foi confiada ao conde de Castelo Novo, homem da confiança política da Corte e com experiência quanto ao despacho dos navios da Índia, dado o lugar que ocupava na direcção da Companhia do Comércio da Índia. Castelo Novo, que tinha por inimigos os da parcialidade, aceitou o lugar, mas impondo condições que Madrid não regateou: fazer parte do governo a fim de melhor poder executar o que fosse conveniente, dado que tinha de obrar com ministros que le encuentran las cosas que asta ora corren por su mano; obter em Madrid, depois de sangrar o País, um lugar que não ficasse dependente dos inimigos que forçosamente iria granjear; mercês para si e filhos. Para secretário foi proposto e nomeado Miguel Vasconcelos Brito, persona inteligente y confidente y que dará buena cuenta de los negócios que alli se tractaren, sendo os restantes membros igualmente afectos ao governo de Madrid.
O regimento outorgado à Junta da Fazenda conferiu-lhe jurisdição necessária ao desempenho das suas funções, incluindo a penal, independente das instituições portuguesas. Os assuntos que lhe diziam respeito caminhavam para Madrid através de uma única via, a de Diogo Soares, o qual passou a controlar a fazenda pública portuguesa, sendo incumbido pelo monarca de orçamentá-la y averiguar lo en que se á convertido la hazienda real de diez años a esta parte. A criação de semelhante órgão não podia deixar de sustentar em Portugal uma dupla oposição: a da própria natureza do seu objectivo, uma maior rapina fiscal através da colecta de verbas que feriam interesses diversos, alguns deles muito explosivos, e a que lhe adivinha da jurisdição, gerindo assuntos portugueses independentemente das autoridades nacionais. A contestação ao exercício da sua actividade manifestou-se, na verdade, tanto na cobrança dos efectos prontos como nos da renda fixa e preparação da armada de socorro do Brasil. A Junta tinha jurisdição autónoma. Mas não lhe era possível, por exemplo, proceder à arrecadação, cobrança executiva ou manejo de algumas quantias que considerava pertencer-lhe sem o apoio de não colaboracionistas do regime. Eram-lhe necessários, por exemplo, os processos relativos às dívidas da fazenda régia que diversas entidades tinham em seu poder, como o regedor da Casa da Suplicação, mas que se recusaram a entregar-lhos sem expressa ordem régia. E a mesma resistência dilatória oferecia o meirinho-mor, conde de Sabugal, ou o próprio governo ao levantar dúvidas quanto à presença entre si do conde de Castelo Novo, ao ignorar o regimento da Junta ou mesmo proibindo, como determinou o próprio conde de Basto, no momento voltado para os populares, que lhe fossem entregues pelo tesoureiro-mor 30000 cruzados por conta dos efeitos que lhe pertenciam. Atitude que Madrid não deixou de estranhar: o conde devia ayudar a este negocio en la misma forma que denantes lo hazia, porque nó mudó de sustância y concurren las mismas razones». In António de Oliveira, O Instituto, Auro Pretiosior, Universidade de Coimbra, Revista Científica e Literária, Coimbra Editora Limitada, volumes 140/141, Coimbra, 1980/1981.

Cortesia da UCoimbra/JDACT