sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O Segundo Livro de Visões de Cataldo Sículo. Helena C. Toipa. «Os historiadores não nos esclarecem sobre as causas da sua morte, mas Cataldo, cometendo talvez uma indiscrição, diz-nos que ela ocorreu subitamente, após uma lauta ceia, parecendo estabelecer, assim, uma relação de causa-efeito»

Cortesia de wikipedia

Uma introdução à sua leitura
«(…) Estes versos referentes a Isabel, a Católica, dizendo que, quando descera pela primeira vez do céu à terra, o espírito do príncipe fora conduzido por sua sogra, fornecem-nos a pista necessária para concluirmos com exactidão sobre a data dramática do texto e provavelmente sobre a sua redacção.

NOTA: Álvaro de Portugal era o quarto filho de Fernando e dona Joana de Castro, 2.os duques de Bragança. Teve um papel importante nos reinados de Afonso V (a quem assistiu na guerra com Castela e que acompanhou na viagem a França) e do monarca Manuel (intervindo, por exemplo, nas negociações dos casamentos deste rei com dona Isabel e com dona Maria, filhas dos Reis Católicos). Foi, por isso, agraciado com várias honras e senhorios. O mesmo não acontecera, porém, no reinado de João II. Ao cair em desgraça a Casa de Bragança, em 1483, Álvaro foi aconselhado a abandonar o país, sendo-lhe confiscados todos os bens. Encontrou refúgio, para si e para a sua família, da qual faziam parte seus dois sobrinhos, Jaime e Dinis, filhos de Fernando II, 3.º duque de Bragança, justiçado em Évora, na corte dos Reis Católicos, onde foi muito bem acolhido e onde prestou bons serviços. Regressou a Portugal, com toda a sua família, ao subir ao trono Manuel I. Morreu em Toledo, em 1504, durante uma viagem a Castela, provavelmente ao serviço do rei Manuel I. Os historiadores não nos esclarecem sobre as causas da sua morte, mas Cataldo, cometendo talvez uma indiscrição, diz-nos que ela ocorreu subitamente, após uma lauta ceia, parecendo estabelecer, assim, uma relação de causa-efeito. Isabel, a Católica, sogra de Afonso, morrera em 1504. A primeira visita de ambos à terra, aos vivos, é narrada por Cataldo, na sua Primeira Visão: Entretanto, vejo descer do alto do céu um pequeno carro, que se distingue por uma rica pedra preciosa. Na parte da frente, estava sentada uma mulher, na parte de trás, um jovem mais branco do que a prata ou a neve. Este não era conduzido por cavalos, ou por movimento de rodas velozes; espontaneamente dirigia o seu caminho pelo meio do ar. A mulher que ia sentada, na parte da frente, era Isabel, outrora tua mãe. Quanto ao lindíssimo jovem, de face brilhante, era Afonso, de quem Leonor fora mãe. (Amélia da Encarnação Dias, Visões(livro I) de Cataldo Sículo, Universidade de Coimbra. 1969).

Com efeito, esta primeira visita do príncipe à terra, acompanhado da sogra, é referida no Primeiro livro de Visões, dirigido a dona Maria, filha da rainha mencionada e segunda mulher de Manuel I. No final deste mesmo poema, podemos 1er: Passaram dez anos e até então não fora aplacada esta mágoa, nem a dor se tornara mais leve. Sem cessar, quase renovada, atormentava o seu interior e exterior. Perdera o riso, perdera a alegria! Eis que o bom Deus acrescentou cinco aos dez anos. Acalmou o luto e pôs-lhe um termo, isto é, observadas as virtudes da mãe, privada de seu filho, fez aquilo que a nenhuma mãe fizera anteriormente. Restitui o filho à vida e ao vigor próprio, semelhante ao que ele era outrora em vida. Tendo o príncipe morrido em 1491, visitara a mãe, pela primeira vez, quinze anos depois, isto é, em 1506. Afonso nascera a 18 de Maio de 1475, ainda em vida de seu avô Afonso V, que logo o reconheceu por herdeiro, no caso de morrer o ainda príncipe João. Por ansiosamente esperado, o seu nascimento foi muito festejado: tratava-se do primeiro filho do único filho do rei, que não esperava descendência de sua filha dona Joana, atendendo à sua vocação religiosa. João II e dona Leonor não tiveram, além deste, outro filho.
Desde os cinco anos, viveu longe de seus pais, sob os cuidados de sua avó dona Beatriz, em situação de terçarias (isto é, sob o cuidado de terceiros), em Moura, juntamente com sua prima Isabel, aproximadamente da mesma idade, filha de Isabel, a Católica, com a qual, de acordo com o mesmo tratado que estabelecera as terçarias, deveria casar aos sete anos, por palavras de futuro, e aos catorze, por palavras de presente. O Tratado das Terçarias fora firmado em 1479, na sequência das guerras entre Portugal e Castela, ou melhor, entre o partido que pretendia, no trono de Castela, dona Isabel (irmã de Henrique IV de Castela) e Fernando, e o que preferia ver, aí, o nosso Afonso V que casara com a legítima herdeira, sua sobrinha, dona Joana (a Beltraneja, entre os castelhanos, que a davam como filha não de Henrique IV, mas de Béltran de la Cueva; a Excelente Senhora, entre os portugueses). Por esse tratado, estabeleciam-se, entre outras, as seguintes condições:
  • Dona Joana casaria com o príncipe Juan, seu primo, filho dos Reis Católicos, e, neste caso, ficaria também em terçarias com dona Beatriz, ou recolheria a um convento, como realmente aconteceu, professou no Convento de Santa Clara de Coimbra; 
  • Os filhos dos reis portugueses e dos Reis Católicos, Afonso e dona Isabel, ficariam aos cuidados de dona Beatriz e da Casa de Bragança, longe da influência e poder dos pais, até poderem casar.
Por desavenças e suspeitas de traição em relação à Casa de Bragança, João II desenvolveu esforços, em 1483, para pôr fim às terçarias, pelas quais nenhum dos régios pais podia visitar os filhos, e para trazer Afonso para junto de si. Conseguiu-o nas seguintes condições: o príncipe casaria com a filha segunda dos Reis Católicos, dona  Joana; mas, se ao cumprir o infante 14 anos, dona Isabel ainda estivesse por casar, seria ela a noiva e futura esposa, como realmente veio a acontecer alguns anos mais tarde. Durante este interregno, Afonso viveu e foi educado na corte. Para orientação da sua educação terá contribuído também Cataldo (sendo difícil de concluir se foi mesmo seu professor), que escreveu alguns trabalhos destinados ao seu aperfeiçoamento e que aconselhou o rei sobre o assunto». In Helena Costa Toipa, O Segundo Livro de Visões de Cataldo Sículo, Uma introdução à sua leitura, Universidade Católica, Centro de Viseu, Revista Humanitas, volume XLV, 1993, Universidade de Coimbra.

Cortesia da UCoimbra/JDACT