quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Educação e Emancipação. Theodor W. Adorno. «Adorno combate numa dupla frente: a um tempo contra a ‘falsa cultura’ e a favor da “cultura”. Intervém sem a empostação fria falsamente engessada, mas sem distanciar-se do rigor»

Cortesia de wikipedia

«Pessoas que se enquadram cegamente no colectivo fazem de si mesmas meros objectos materiais, anulando-se como sujeitos dotados de motivação própria. (...) Inclui-se ai a postura de tratar os outros como massa amorfa. Uma democracia não deve apenas funcionar, mas sobretudo trabalhar o seu conceito, e para isso exige pessoas emancipadas. Só é possível imaginar a verdadeira democracia como uma sociedade de emancipados. (...) A única concretização efectiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direcção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contestação e para a resistência. Estes são textos de intervenção viva, densos mas fluentes e brilhantes, contrariando a imagem de um pensador de difícil acesso. A influência de Adorno é crescente, como acontece em maior ou menor medida ao conjunto chamado escola de Frankfurt. Nem poderia ser diferente: um pensador comprometido com os problemas do trabalho social e da sociedade de classes (ao contrário de Habermas), que não se encontra praticamente tolhido por uma forma social concreta de sujeito histórico (partido etc.) não poderia ser mais actual em tempos de queda do muro. Ainda mais quando provem da cultura burguesa e argumenta de modo intelectualmente inconteste para os seus adversários, apologistas da inevitabilidade da formação social burguesa existente. Adorno ficou conhecido, ao lado de Horkheimer, como autor da Dialéctica do Esclarecimento, onde cunharia o conceito famoso de indústria cultural, e que, vinte anos apos a primeira e acanhada edição em 1947, circularia em grande número de cópias-pirata entre os estudantes e rebeldes de 68. Desde o fim da década de 50, Adorno valorizaria progressivamente as suas intervenções públicas, em debates com os estudantes radicais junto a Habermas, com os movimentos sociais e sindicatos, com Oskar Negt, influenciando o Cinema Novo Alemao, com Alexander Kluge etc. No seu pais assume grande notoriedade ainda antes de Marcuse, por artigos na imprensa, em revistas e em debates pelo rádio. Nos textos ora em pauta, a amizade com Hellmut Becker estimularia um conjunto de intervenções sobre a temática educacional e formativa. Os próprios textos já fazem as vezes de experiência formativa em uma de suas dimensões fundamentais, em que cabe ao leitor abrir-se a experiência do objecto focalizado, experimentá-lo para tornar-se por esta via experiente e, por isso, autónomo. Para isto impõe-se um contacto aberto. O que perturba, diria nosso autor, é a ruptura entre o que constitui objecto de elaboração e os sujeitos vivos. Alguns textos são ensaios arrebatadores no seu ofício de desencantamento: O que significa elaborar o passado Educação após Auschwitz são verdadeiras aulas de dialéctica. A filosofia e os professores e Tabus acerca do magistério são exemplos de reconstrução do sentido emancipatório da formação cultural, dosando rebeldia e indignação em termos cultivados. Adorno combate numa dupla frente: a um tempo contra a falsa cultura e a favor da cultura. Intervém sem a empostação fria falsamente engessada, mas sem distanciar-se do rigor, atentando minuciosamente a distinção das particularidades sem perder de vista o todo em seu estilo ensaístico». In prefácio de Wolfgang Leo Maar.

Adorno e a experiência formativa
A educação não é necessariamente um factor de emancipação. Numa época em que educação, ciência e tecnologia se apresentam, agora globalmente, conforme a moda em voga, como passaportes para um mundo moderno conforme os ideais de humanização, estas considerações de Adorno podem soar como um melancólico desânimo. Na verdade significam exactamente o contrário: a necessidade da crítica permanente. Após Auschwitz, é preciso elaborar o passado e criticar o presente prejudicado, evitando que este perdure e, assim, que aquele se repita. O filósofo alerta os educadores em relação ao deslumbramento geral, e em particular o relativo à educação, que ameaça o conteúdo ético do processo formativo em função de sua determinação social. Isto é, adverte contra os efeitos negativos de um processo educacional pautado meramente numa estratégia de esclarecimento da consciência, sem levar na devida conta a forma social em que a educação se concretiza como apropriação de conhecimentos técnicos. Parafraseando Adorno no último parágrafo da Minima Moralia, quanto mais a educação procura se fechar ao seu condicionamento social, tanto mais ela se converte em mera presa da situação social existente. É a situação do sonho de uma humanidade que torna o mundo humano, sonho que o próprio mundo sufoca com obstinação na humanidade! O desenvolvimento da sociedade a partir da Ilustração, em que cabe importante papel a educação e formação cultural, conduziu inexoravelmente à barbárie. Ou, para dizer o mesmo pelo reverso: o próprio processo que impõe a barbárie aos homens ao mesmo tempo constitui a base de sua sobrevivência. Eis aqui o nó a ser desatado. A função da teoria crítica seria justamente analisar a formação social em que isto se dá, revelando as raízes deste movimento, que não são acidentais, e descobrindo as condições para interferir no seu rumo. O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir. Só assim seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a emancipação de todos no sentido de se tornarem sujeitos reflectidos da história, aptos a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo, emancipatório, do movimento de ilustração da razão. Esta, porém, seria uma tarefa que diz respeito a características do objecto, da formação social no seu movimento, que são travadas pelo seu encantamento, pelo seu feitiço. Por isto a educação, necessária para produzir a situação vigente, parece impotente para transformá-la». In Theodor W. Adorno, Educação e Emancipação, tradução de Wolfgang Leo Maar, Editora Paz e Terra, Debates na Rádio Hessen, Agosto de 1969, Escritos, 1975, 1976, 1978, Wipipédia, ISBN 978-857-753-117-2.

Cortesia de Wikipédia/JDACT