sábado, 6 de dezembro de 2014

Três Momentos na Existência do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Helena C Toipa. «… Boletim da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, em 1921, com o título Livro que fala da boa vida que fez a Raynha de Portugal, Dona Isabel, e dos seus bõos feitos e milagres em sa vida e depoys da morte»

Cortesia de wikipedia

«Foi recentemente trazido de novo à luz, liberto das águas e das areias do Mondego, o que resta do complexo de edifícios que constituía o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e anexos. E o que resta é simplesmente a Igreja e o Claustro, pois os outros edifícios, também mandados construir pela Rainha Santa Isabel, já tinham desaparecido antes da acentuada submersão do mosteiro, segundo testemunho de autores contemporâneos desses desaparecimentos. Quando falamos do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, a associação à figura da Rainha Santa Isabel é imediata, pelo papel fundamental que ela teve na sua construção e florescimento. Por isso, as biografias desta rainha apresentam, todas elas, como não podia deixar de ser, informação sobre a sua dedicação e o seu empenho na construção e manutenção desta complexa edificação, que incluía igreja, claustros, um paço régio onde costumava alojar-se quando residia em Coimbra, para estar próxima das clarissas, e alojamentos para homens e mulheres carenciados, de vida honesta, com a respectiva igreja e cemitério. O primeiro documento biográfico da rainha é um texto de autor desconhecido, que andou manuscrito por muito tempo na biblioteca do Mosteiro, onde foi consultado por todos os biógrafos seguintes e cronistas que se debruçaram sobre os reinados de Dinis I e Afonso IV, e que foi escrito muito pouco tempo depois da sua morte, que ocorreu em 1336; foi editado pela primeira vez por fr. Francisco Brandão, na Monarchia Lusitana, parte VI, com o título Relaçam da vida da gloriosa Santa Isabel, Rainha de Portugal, e depois reeditado, com nova leitura e mais completa, por José Joaquim Nunes, no Boletim da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, em 1921, com o título Livro que fala da boa vida que fez a Raynha de Portugal, Dona Isabel, e dos seus bõos feitos e milagres em sa vida e depoys da morte. É este último texto que seguiremos e citaremos, referindo-o pela designação tradicional de Lenda da Rainha Santa.
Neste texto se refere a origem do monumento e o papel da rainha para a resolução do impasse a que se tinha chegado depois de longa contenda judicial e o empenho e entusiasmo que colocou na edificação do Mosteiro onde, depois de viúva, viria a passar grande parte do seu tempo e em cuja igreja escolheu ser sepultada. O mosteiro de Santa Clara teve um início atribulado; fora fundado por D. Mór Dias, uma abastada dama da nobreza que, decidindo afastar-se do mundo, recolhendo-se num mosteiro, em 1250, sem, no entanto, professar, para poder continuar a possuir e a administrar os seus bens, começara por escolher para a sua reclusão, o mosteiro feminino da Ordem de Santa Cruz, em Coimbra, onde viveu algum tempo, aparentemente em situação de poder dispor dos seus bens. Poucos anos depois, por volta de 1278, mandava ela construir, junto do Mondego, umas casas e, em 1283, obtinha autorização para fundar um mosteiro onde pudesse recolher-se, da ordem de Santa Clara, dedicando-o a Santa Isabel de Hungria. Os Cónegos Regrantes de Santa Cruz, no entanto, não aceitaram pacificamente esta transferência de D. Mór Dias e da sua fortuna para outra instituição e iniciaram contra ela uma demanda, argumentando que tinha professado na sua ordem e que, como tal, quer a pessoa quer os seus bens lhes pertenciam. O conflito prolongou-se por vários anos, contando mesmo com a intervenção da Santa Sé, quer em vida da fundadora, quer depois da sua morte, que ocorreu em 1303. Finalmente, por decisão do tribunal, favorável aos frades de Santa Cruz, as clarissas foram expulsas e o mosteiro ficou desabitado. In Lenda, 1921.
Foi a intervenção da rainha D. Isabel de Aragão que veio dar novo alento à iniciativa de D. Mór Dias: contribuiu para a composição das partes em litígio; solicitou autorização para fundar um mosteiro de invocação a Santa Clara, naquele mesmo lugar onde o quisera D. Mór Dias, mas agindo como se começasse de novo, comprando os terrenos em redor, e planeando uma grande construção, cujas obras decorriam já em 1316. O mosteiro conheceu, após a intervenção da rainha, o seu grande desenvolvimento. In Lenda, 1921. Para seguir de perto e orientar a construção, quando estivesse em Coimbra, a rainha mandou construir, nas proximidades, uma casa para si e para os seus, que posteriormente acompanhou de outros edifícios, destinados a um hospício que albergaria separadamente 15 homens e 15 mulheres pobres, com a respectiva capela e cemitério consagrados; estes edifícios ficariam, à sua morte, propriedade do mosteiro. In Lenda 1921. A Rainha decidiu também escolher para seu eterno descanso a igreja do Mosteiro e tratou de mandar fazer o seu túmulo. Foi colocado no meio da Igreja, mas desde logo, as águas do Mondego se mostraram ameaçadoras, dando sinal já do destino que havia de sofrer esta vasta edificação, que foi conquistada, ao longo dos séculos, pelas águas, das quais só recentemente se voltou a libertar». In Helena Costa Toipa, Três Momentos na Existência do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, Revista Humanitas nº LXI, Universidade de Coimbra, 2009, ISSN 0871-1569.

Cortesia da UCoimbra/JDACT