domingo, 24 de abril de 2016

A Última Duquesa. Daisy Goodwin. «Cora sabia que naquele momento a sua mãe estaria a verificar o posicionamento do jantar que iria oferecer antes do baile, ajustando tudo para que os seus convidados de quarenta e tal anos soubessem exactamente como brilhavam…»

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O Homem dos Colibris. 1893
«(…) Na Sala Azul, Cora Cash tentava concentrar-se no seu livro. Cora achava difícil compreender a maioria dos romances, todas aquelas modestas governantas, mas este era diferente. A heroína era bela, inteligente e rica, um pouco como a própria Cora. Cora sabia que era bela, não se referiam sempre a ela nos jornais como a divina Menina Cash? Ela era inteligente, falava três línguas e sabia fazer cálculos. E quanto a riqueza, bom, era-o sem dúvida. Emma Woodhouse não era rica como ela, Cora Cash, era rica. Emma Woodhouse não se deitava num lit à la polonaise que pertencera a Madame du Barry num quarto que era, à excepção do persistente cheiro a tinta, uma réplica exacta do quarto de Maria Antonieta no petit Trianon. Emma Woodhouse participava em bailes nos salões de festas, mas não em festas temáticas espectaculares em salões de baile construídos para o efeito. Mas Emma era órfã de mãe, o que queria dizer, pensava Cora, que era bela, inteligente, rica e livre. O mesmo não se podia dizer de Cora, que naquele momento segurava o livro à sua frente porque tinha uma haste de aço amarrada à coluna. Os braços de Cora doíam e ela desejava deitar-se na cama de Madame du Barry mas a sua mãe acreditava que passar duas horas por dia amarrada ao aparelho de coluna daria a Cora a postura e atitude de uma princesa, ainda que americana, e pelo menos, por agora, Cora não tinha escolha que não a de ler o seu livro em profundo desconforto.
Cora sabia que naquele momento a sua mãe estaria a verificar o posicionamento do jantar que iria oferecer antes do baile, ajustando tudo para que os seus convidados de quarenta e tal anos soubessem exactamente como brilhavam no firmamento social da sra. Cash. Ser-se convidado para o requintado baile de gala da sra. Cash era uma honra, ser-se convidado para o jantar que o precedia um privilégio, mas ficar-se sentado a curta distância da própria sra. Cash era um verdadeiro sinal de distinção, e era algo que nunca era concedido levianamente. A sra. Cash gostava de se sentar diante do seu marido ao jantar desde que tinha descoberto que o príncipe e a princesa de Gales ficavam sempre de frente um para o outro na largura e não no comprimento da mesa. Cora sabia que iria ficar sentada numa extremidade ensanduichada entre dois jovens solteiros com quem deveria namoriscar apenas o suficiente para confirmar a sua reputação da bela da época mas não demasiado a ponto de comprometer os estratagemas da mãe para o seu futuro. A sra. Cash estava a organizar este baile para exibir Cora como uma jóia cara para ser admirada mas não tocada. Este diamante estava destinado a um aristocrata, no mínimo.
Logo após o baile, os Cash iriam viajar até à Europa no seu iate, o SS Aspen. A sra. Cash não tinha feito nada tão grosseiro como sugerir que iam à Europa para encontrar um título para Cora: ela não subscreveu, como fizeram outras senhoras em Newport, o Titled Americans, uma publicação trimestral que fornecia pormenores sobre jovens europeus de sangue azul mas sem recursos que procuravam uma noiva americana rica, mas Cora sabia que as ambições da sua mãe não tinham limites. Cora pousou o romance e virou-se desconfortavelmente no aparelho para a coluna. Era certamente altura para a Bertha chegar e a libertar. A correia que tinha sobre a testa estava a enterrar-se; ela ficaria ridícula no baile desse dia com um grande risco vermelho na testa. Ela não se importava nada de arreliar a mãe mas tinha as suas próprias razões para querer apresentar-se no seu melhor. Esta noite era a sua última hipótese com Teddy antes de partir para a Europa. No dia anterior, no piquenique, eles tinham estado tão próximos que ela tinha a certeza de que Teddy estava prestes a beijá-la, mas a sua mãe tinha-os descoberto antes que alguma coisa pudesse ter acontecido. Cora sorriu levemente ao pensar na sua mãe a suar enquanto pedalava para os conseguir acompanhar. A sra. Cash desprezava as bicicletas por as considerar inapropriadas, até que se apercebeu que a sua filha as podia usar para fugir dela, tendo então aprendido a andar numa tarde. Ela podia ser a jovem mais rica da América, mas era certamente também a mais perseguida. Esta noite era a da sua festa de debutante e ali estava ela amarrada àquele instrumento de tortura. Era hora de ser libertada. Num movimento tenso levantou-se e tocou a sineta». In Daisy Goodwin, A Última Duquesa, 2010, tradução de Madalena Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-407-9.

Cortesia EdosLivros/JDACT