sábado, 23 de abril de 2016

Destinada. PC Cast e Kristin Cast. «Espírito, sussurrei. Vem a mim, se faz favor. Senti de imediato o elemento roçar-me na pele. Ajuda-me. Não, ajuda o Stark, esconde dele a minha tristeza. E talvez, acrescentei em silêncio…»

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Zoey
«Acho que que a minha mãe morreu. Experimentei as palavras em silêncio. Pareciam erradas, artificiais, como se eu tentasse abarcar o mundo de cabeça para baixo ou o So1 a nascer no oeste. Suspirei fundo e virei-me na cama, estendendo a mão para tirar mais um lenço de papel da caixa que estava no chão ao lado da cama. Stark resmungou, franziu o sobrolho e mexeu-se inquieto. Lenta e cuidadosamente, saí da cama, agarrei na camisola enorme do Stark onde ele a largara, vesti-a, e enrolei-me no pufe que estava perto da parede do nosso quartinho nos túneis. O pufe fez aquele barulho que me faz sempre lembrar insufláveis de festas infantis, e o Stark franziu o sobrolho e resmungou qualquer coisa outra vez. Assoei-me. Sem barulho. Pára de chorar pára de chorar para de chorar! Não ajuda. Não traz a mãe de volta. Pestanejei umas vezes e assoei-me outra vez. Se calhar foi só um sonho. Porém, mesmo quando as palavras me ocorreram, o meu coração sabia qual era a verdade. Nyx tirara-me da terra dos sonhos para me mostrar uma visão da mãe a entrar no Outro Mundo. Ou seja, a mãe tinha morrido. A mãe disse a Nyx que lamentava ter-me desiludido, lembrei a mim mesma quando as lágrimas me caíram pelas faces, outra vez. Ela disse que me adorava, sussurrei. Não tinha feito barulho nenhum, mas o Stark remexeu-se na cama e resmungou: pára! Fechei bem a boca, embora soubesse que não fora o meu sussurro a estragar-lhe o sono. Stark era meu Guerreiro, meu Guardião, e meu namorado. Não, namorado é um termo demasiado simples. Há um vínculo entre mim e o Stark mais fundo do que namoros e sexo e essas coisas todas dos relacionamentos normais. Por isso é que ele estava tão inquieto. Ele sentia a minha tristeza, mesmo em sonhos sabia que eu chorava e estava magoada e assustada e... Stark afastou as mantas do peito e vi que tinha a mão fechada em punho. Olhei para a cara dele. Ainda estava a dormir, mas tinha a testa franzida e o sobrolho também. Fechei os olhos e respirei fundo para me centrar.
Espírito, sussurrei. Vem a mim, se faz favor. Senti de imediato o elemento roçar-me na pele. Ajuda-me. Não, ajuda o Stark, esconde dele a minha tristeza. E talvez, acrescentei em silêncio, pudesses ajudar a esconder parte da tristeza de mim também. Mesmo que seja só por um bocadinho. Respirei fundo outra vez quando o espírito entrou em mim e me percorreu, até terminar na cama. Abri os olhos e até vi uma ondulação no ar em redor do Stark. Parecia que a pele dele brilhava quando o elemento assentou nele como um manto diáfano. Senti-me quente e olhei para os meus braços; vi a mesma radiância suave na minha própria pele. Stark suspirou fundo comigo enquanto o espírito fazia magia para nos acalmar e, pela primeira vez em horas, senti um bocadinho da tristeza amainar.
Obrigada, espírito, sussurrei e cruzei os braços, abracei-me com força. Envolta no toque reconfortante do elemento de que me sentia mais próxima, até fiquei algo sonolenta. Foi então que entrou na minha consciência outra espécie de conforto. Devagar, sem querer perturbar o sortilégio caloroso que o elemento estava a fazer, abri os braços e toquei no peito. Porque é que a minha pedra vidente está quente? A pedrinha redonda estava numa correntinha de prata pendurada ao meu pescoço, ficando-me entre os seios. Não a tirava desde que Sgiach ma oferecera antes de eu me vir embora da mágica e belíssima Ilha de Skye. Intrigada, tirei a pedra de debaixo da camisola e passei os dedos pela superfície macia e marmórea. Ainda me fazia lembrar um Life Saver, rebuçados de hortelã-pimenta e fruta em forma de anel, com sabor a coco, mas o mármore de Skye cintilava com uma luz sobrenatural, como se o elemento que eu invocara lhe tivesse dado vida, como se o calor que eu sentia se devesse ao pulsar da vida encerrada nela.
A voz da Rainha Sgiach ecoou-me na memória: Uma pedra vidente está sintonizada apenas com a mais antiga das magias: do tipo que eu protejo na minha ilha. Faço-te esta dádiva para que também possas reconhecer os Antigos se ainda existir algum no mundo lá fora... Enquanto as palavras dela me invadiam a mente, a pedra virou-se devagar, quase com preguiça. O buraquinho ao meio era como um telescópio em miniatura. Quando se mexeu, vi Stark iluminado, e o meu mundo mexeu-se também, estreitou-se, e depois mudou tudo. Talvez fosse por ter o espírito tão perto de mim nesse momento, mas o que vi não me pareceu nada como a primeira vez mirabolante em que espreitei pela pedrinha em Skye e acabei por desmaiar. Porém, não queria dizer que não fosse perturbante». In PC Cast e Kristin Cast, Destinada, 2011, tradução de Susana Serrão, Saída de Emergência, 2012, ISBN 978-989-637-426-6.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT