sábado, 30 de maio de 2020

A Mitologia Clássica no Humanismo do Renascimento Português. António M. Martins Melo. «Havia de ficar ainda esta data associada à sua aclamação como rei. Também as origens da Hélade estão plasmadas em narrativas fabulosas, os mitos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Quando transpomos a muralha da Fortaleza de Sagres e percorremos as veredas estreitas a desafiar inóspitas falésias, conquista-nos a magia do lugar a que os antigos chamaram promontorium sacrum. Finisterra misteriosa, que nos murmura segredos inaudíveis, da intrépida gente henriquina que ousou ir além do horizonte a desafiar os perigos do Mar Tenebroso. Lugar mítico dos descobrimentos portugueses, que nos convida à reflexão, a um regresso às nossas origens, aos primórdios da nacionalidade portuguesa. Envolta pelo sobrenatural, a conferir maior simbolismo à data, a independência de Portugal afirma-se com a lenda do milagre da Batalha de Ourique, a 25 de Julho 1139, dia de S. Tiago, patrono dos cristãos em luta com os mouros. Justifica-se a vitória das forças cristãs, em número muito inferior aos muçulmanos, pela intervenção divina, pois a Afonso Henriques na Cruz o Filho de Maria /.Amostrando-se o animava. Havia de ficar ainda esta data associada à sua aclamação como rei. Também as origens da Hélade estão plasmadas em narrativas fabulosas, os mitos. Indiferentes à verdade, verbalizam eles experiências partilhadas que conduzem à coesão de um grupo social. Exilado na corte de Pélops, que lhe havia de confiar a educação de seu filho, Crisipo, Laio enamorou-se do jovem e raptou-o. Este grave delito na sociedade grega mais primitiva, na época em que surgiu este mito, vai suscitar o terrível oráculo que há-de pesar sobre Laio e sua descendência. Da união com Jocasta vai nascer o amaldiçoado Édipo que porá termo à vida do pai e desposará a própria mãe. Ambiente semelhante rodeia o início da mítica Guerra de Tróia: na ausência de Menelau, rei de Esparta, Páris rapta sua filha Helena e arrasta-a para a Tróia de Príamo, seu pai. Por dez longos anos se arrasta a guerra que vai opor esta cidade ao exército de Agamémnon.
Até que, mercê do ardiloso cavalo de madeira, Tróia é saqueada e destruída pelos Gregos. E os Poemas Homéricos a imortalizaram. A um conjunto de mitos de um povo, de uma cultura ou de um país dá-se o nome de mitologia e, deste modo, podemos falar em mitologia grega, romana ou até em mitologia portuguesa. Povoada por deuses e heróis, comuns à religião, a mitologia grega foi organizada por Homero e Hesíodo, como se depreende do testemunho do historiador grego Heródoto (século V a. C.): efectivamente, penso que Hesíodo e Homero são anteriores a mim uns quatrocentos anos, e não mais. Foram esses os que inventaram aos Gregos a teogonia e atribuíram aos deuses os seus nomes, que repartiram as suas honras e artes, e que descreveram a sua forma.
Entre estes relatos fantásticos, chamam a nossa atenção os mitos cosmogónicos, que narram a criação do mundo. Na Teogonia de Hesíodo, posterior aos Poemas Homéricos, pode ler-se: primeiro que tudo houve o Caos, e depois a Terra de peito ingente... Do Caos nasceram o Érebro e a negra noite e da Noite, por sua vez, o Éter e o Dia... Por aqui nos aproximamos da linguagem mítica do Livro do Génesis, o primeiro da Bíblia, quando descreve a história das origens: no princípio, quando Deus criou os céus e a terra, a terra era informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas. Deus disse: Faça-se a luz. E a luz foi feita... Aqui se narra a criação do homem a partir do barro, a árvore da Vida e da ciência e o mito da serpente , que nos trazem à memória os mitos de Prometeu e de Pandora. O que se explica pela influência dos mitos do próximo oriente, nomeadamente da Suméria, da Babilónia e de Ugarit.
Os romanos vão assimilar a mitologia grega, emprestando-lhe uma feição singular: a mitologia de Roma, como a caracterizou Victor Jabouille, nunca foi fantasmagórica nem cósmica: foi nacional e histórica, ocupa-se essencialmente com a fundação e desenvolvimento da própria cidade. E a mitologia divina, de natureza grega, vai lentamente perdendo a sua expressão e reduz-se ao ritual». In António M. Martins Melo, A Mitologia Clássica no Humanismo do Renascimento Português, Universidade Católica Portuguesa, Braga, Ágora, Estudos Clássicos em Debate 6, 2004.

Cortesia de Ágora/JDACT