sexta-feira, 15 de maio de 2020

Por Amor a uma Mulher. Domingos Amaral. «O cínico Gelmires bateu as grossas pestanas e perguntou-lhe: com qual dos vossos irmãos está casada dona Teresa? Nunca sei... A malícia daquele homem…»

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Coimbra, Julho de 1117
«(…) Chamoa e Maria encostaram-se à mãe, enquanto um cavaleiro declarava que iria levá-las à presença do prelado de Compostela. Aflita, Elvira Peres Trava olhou para o castelo de Tui, a poucas léguas, e viu-o já cercado. Conhecia Gelmires de vista, nas suas idas a Compostela, e um pouco mais tarde aquele homem gordo, calvo e desagradável, explicou-lhe que ele e dona Urraca iriam obrigar Gomes Nunes a declarar-se finalmente súbdito da rainha. Caso contrário, Tui seria saqueada. A chorar, com as filhas agarradas às saias, Elvira implorou misericórdia e pediu ao prelado que poupasse o seu esposo. Relembrou-lhe que era uma Trava, que seu irmão se juntara com dona Teresa e que seu pai, Pedro Froilaz, sentiria qualquer ataque a Tui como uma ofensa que não passaria sem retaliação.
O cínico Gelmires bateu as grossas pestanas e perguntou-lhe: com qual dos vossos irmãos está casada dona Teresa? Nunca sei... A malícia daquele homem de nome grotesco era compreensível. A inconstância amorosa de dona Teresa, que primeiro vivera com Bermudo, casando-o de seguida com uma filha dela, Urraca Henriques, para depois se unir ao irmão dele, Fernão, era um desvario incestuoso, que incendiava contra ela os religiosos da região. Atrapalhada, Elvira calou-se e as filhas choramingaram, enquanto o untuoso Gelmires avisava: não podeis casar com dois irmãos quando ambos ainda estão vivos, Deus castiga-vos!
De seguida, o arcebispo enviou-as para uma tenda, onde era suposto permanecerem, sossegadas, enquanto durasse o cerco a Tui. Contudo, à hora da ceia, Elvira viu aparecer seu irmão, Fernão Peres Trava. Julgava-o com dona Teresa, e perguntou-lhe o que ali fazia, enquanto Chamoa e Maria Gomes beijavam a mão do tio. Intercedo junto do Gelmires. Por vós, por vosso marido e também por dona Teresa, explicou Fernão Peres.
Para azar deles, a situação em Tui agravara-se. Na margem sul do rio Minho, quase em frente à cidade, estavam agora instaladas as tropas de dona Teresa, que tinham marchado à pressa para o Norte, logo que haviam sabido da invasão de dona Urraca. Estão mal comandadas, resmungou Fernão Peres. Nosso irmão Bermudo não tem jeito nenhum para as artes da guerra!
O tio Fernão era adorado pelas sobrinhas, que o consideravam um ídolo. Chamoa, em voz baixa, comentou com a irmã que era com alguém assim que gostaria de casar-se. Fernão Peres ouviu-a e sorriu-lhe: sonhais casar com um príncipe, Chamoa? Ela corou, embaraçada, e o tio acrescentou: eu também sempre quis casar com uma princesa como vós, tão bela, e é por isso que me enamorei de dona Teresa. Proferida esta frase, colocou de novo um ar preocupado e adiantou a sua previsão dos combates. Vamos perder Tui, pelo menos para já.
Enviara um primeiro mensageiro ao cunhado, que estava cercado no castelo, sugerindo que se rendesse a dona Urraca; e um segundo a Bermudo, parqueado do lado de lá do rio, numa ínsua, com os portucalenses, aconselhando-lhe um recuo estratégico. Lutar é inútil, Tui seria destruída. É melhor o Bermudo e a Teresa retirarem para Lanhoso. Isso dá-me tempo para convencer o Gelmires a romper esta tortuosa aliança com Urraca. Eles odeiam-se, já se guerrearam, não será difícil separá-los outra vez». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT