terça-feira, 12 de maio de 2020

Os Manuscritos de Jesus. Michael Baigent. «Com um estrondo repentino, as pedras rolaram, umas sobre as outras, esmagando e sepultando tanto atacantes quanto defensores. Cessado o movimento e assentada a poeira, o silêncio anunciou que estava tudo acabado»

Cortesia de wikipedia e jdact

«28 de Maio de 1291, Terra Santa: Acre, cidade portuária do reino Cruzado, jazia em ruínas. Apenas a grande torre costeira dos cavaleiros templários continuava de pé. Durante sete semanas o exército árabe de Khalil al-Ashraf, o jovem sultão do Egipto, cercou e, depois, atacou a cidade. A última capital do reino cristão estava arrasada. Nas ruas, antes abarrotadas de guerreiros e nobres, mercadores e pedintes, viam-se agora prédios desmoronados e cadáveres. Naquela época violenta, não havia qualquer constrangimento quanto aos prejuízos indiretos: quando uma cidade era tomada, a carnificina e o roubo eram livremente admitidos. Os árabes estavam determinados a varrer quaisquer vestígios dos cruzados para o mar; os cruzados, por sua vez, também nutriam a firme determinação de sobreviver, com a esperança, embora remota, de serem capazes de ressuscitar o seu reino. Esta esperança, porém, se desvaneceu com a queda de Acre. Para além da fumaça e das ruínas ensanguentadas da cidade, apenas a enorme torre dos templários se erguia intocada. Amontoados no seu interior se encontravam os que haviam sobrevivido até ali, juntamente com cinquenta ou sessenta cavaleiros, os remanescentes do que já fora um dia uma portentosa força guerreira, um exército de peso, no reino cristão de Jerusalém. Eles aguardavam. Nada mais havia a fazer. Ninguém viria salvá-los. Um punhado de navios desistiu de aportar na cidade, um punhado mais de cavaleiros e civis fugiu. Os sobreviventes esperavam a chegada do fim, e durante a semana seguinte conseguiram rechaçar contínuos ataques. Tamanha havia sido a intensidade da luta que mesmo os templários se desesperaram. Quando o sultão acenou com a possibilidade de deixar partir incólumes todos os cavaleiros e civis caso abandonassem o castelo, o marechal templário, que organizava a resistência, concordou. Permitiu a entrada no castelo de um grupo de guerreiros árabes liderados por um emir e hasteou o estandarte do sultão. Os indisciplinados soldados árabes, contudo, começaram a molestar mulheres e crianças. Furiosos, os templários mataram todos eles e derrubaram o estandarte do sultão. O sultão encarou o facto como traição e preparou a sua brutal retaliação: no dia seguinte, reapresentou a sua oferta de salvo-conduto. Mais uma vez, o oferecimento foi aceito. O marechal dos templários, acompanhado de vários cavaleiros, partiu ao encontro do sultão, sob a promessa de uma trégua, a fim de negociar os termos do acordo. Antes, porém, que a comitiva chegasse até ao monarca, sob os olhos dos defensores que guarneciam as muralhas do castelo templário, seus integrantes foram presos e executados. Não houve por parte do sultão nenhuma outra oferta de rendição pacífica, e ainda que tivesse havido, os templários não cogitariam aceitá-la: a luta iria até ao fim. Naquele malfadado dia, os muros do castelo dos templários, solapados pelos árabes, começaram a ruir: os árabes iniciaram o seu ataque. Dois mil guerreiros mamelucos vestidos de branco invadiram a torre dos templários através de uma brecha na muralha. A estrutura, abalada por semanas de investidas, cedeu. Com um estrondo repentino, as pedras rolaram, umas sobre as outras, esmagando e sepultando tanto atacantes quanto defensores. Cessado o movimento e assentada a poeira, o silêncio anunciou que estava tudo acabado. Após quase duzentos anos, o sonho de um reino cristão na Terra Santa virará cinzas. Até mesmo os templários abandonaram então os seus poucos castelos remanescentes e se retiraram da terra que lhes havia roubado cerca de vinte mil confrades ao longo de 173 anos de luta quase sempre acirrada.
Os templários há muito me fascinavam. E não apenas seu papel como exército profissional e sua grande, embora amplamente ignorada, contribuição para o esboço do nosso mundo moderno, eles inauguraram o poder do dinheiro sobre a espada, por meio de cheques e transferências financeiras seguras de cidade para cidade e de país para país; amenizaram o fosso entre a aristocracia dominante e os camponeses explorados, o que ajudou a abrir espaço para uma classe média. Uma aura de mistério sempre os envolveu. Como peculiaridade, ao menos alguns deles aparentemente seguiam um tipo de religião que ia de encontro à de Roma. Tudo indicava que suas fileiras abrigavam a heresia, mas pouco se sabia a esse respeito. Eu estava curioso e decidido a buscar respostas. Comecei a pesquisar o lado misterioso dos cavaleiros templários. Um dia, eu visitava uma livraria em Londres quando um amigo, que por acaso era o dono da loja, me abordou e disse que havia alguém que eu precisava conhecer, alguém que dispunha de informações que talvez me interessassem sobre os templários. E foi assim que conheci meu colega Richard Leigh. Acabamos escrevendo juntos sete livros nos vinte anos seguintes. Sem dúvida, Richard estava de posse de informações interessantes, dados que lhe haviam sido passados por Henry Lincoln. Richard e eu logo nos demos conta de que devíamos unir forças. Poucos meses depois, Henry chegou à mesma conclusão. Formamos um time e, como dizem por aí, arregaçamos as mangas. O resultado, seis anos depois, foi o best-seller O Santo Graal e a linhagem sagrada. Nossa hipótese central juntava os cruzados e as lendas do Graal, dois temas raramente associados pelos historiadores. Descobrimos que por trás de ambos havia uma linhagem importante, uma dinastia: a linhagem dos reis judeus, a Casa de David. As lendas do Graal combinam elementos da antiga tradição pagã celta com elementos de misticismo cristão. O símbolo de um vaso ou cálice de abundância que assegura a fertilidade perene da terra derivou dos primeiros, enquanto dos últimos vieram as descrições do Graal em termos de experiência mística. No entanto, o significativo para nós era o facto de as lendas enfatizarem que o cavaleiro do Graal, Perceval ou Parsifal, pertencia à linhagem mais sagrada, uma linhagem que recuava na história até Jerusalém e a cruz. Logicamente, tratava-se de uma referência à Casa de David. Esse dado escapara a todos que antes de nós haviam estudado o Graal.
Argumentamos que o termo para Graal, Sangraal ou Sangreal, que se tornou San Graal ou San Greal, Santo Graal,, formava um jogo de palavras. O enigma se resolvia com uma divisão ligeiramente diferente, Sang Real, ou seja, sangue real, que alude, em nossa opinião, à Casa de David. Realmente, para a época medieval, esta era uma linhagem altamente sagrada. Não resta dúvida de que a Casa de David existia no sul da França no início do período medieval. Trata-se de um facto histórico. No processo de fundação de seu reino, Carlos Magno nomeou um de seus companheiros próximos, Guillem (William), conde de Toulouse, Barcelona e Narbonne, para governar um principado espremido entre dois reinos inimigos, o reino cristão de Carlos Magno e o emirado islâmico de Al Andalus; noutras palavras, Espanha islâmica. Guillem, o novo príncipe, era judeu. Pertencia, também, à Casa de David. O viajante judeu do século XII Benjamin de Tudela, no relato de sua jornada da Espanha ao Oriente Médio, revelou que o príncipe à testa da nobreza regente de Narbonne era um descendente da Casa de David conforme consta na sua árvore genealógica. Até mesmo a Encyclopaedia Judaica menciona esses reis judeus de Narbonne, mas ignora a sua linhagem. Naturalmente, a ninguém aprazia perguntar de onde teria surgido essa linhagem mencionada por Benjamin de Tudela. Com efeito, como viríamos a descobrir, a situação era bastante complicada. Ao examinar as genealogias desses príncipes da Casa de David no sul da França, concluímos se tratar dos mesmos ancestrais de um dos líderes da Primeira Cruzada, Godfroi de Bouillon, que se tornou rei de Jerusalém. Essa Cruzada contou com quatro grandes líderes nobres. Porque apenas a Godfroi de Bouillon foi oferecido o trono, e por que essa oferta teria partido de um misterioso e ainda desconhecido conclave de eleitores que se reuniram em Jerusalém para decidir o assunto? A quem se sujeitariam esses orgulhosos senhores, e por que razão? Em nossa opinião, o sangue prevaleceu sobre os títulos de nobreza; Godfroi reivindicou seu direito hereditário como membro da Casa de David. E qual a origem desta linhagem? Ora, Jerusalém, Jesus e o produto, como defendemos em O Santo Graal e a linhagem sagrada, de um casamento entre Jesus e Maria Madalena. Na verdade, ponderamos, não seriam as bodas de Caná o casamento de Jesus e Maria Madalena? Isso, no mínimo, explicaria por que ele foi chamado ao casamento e lhe coube a responsabilidade sobre o vinho! É evidente que a publicação do nosso livro detonou uma controvérsia mundial» In Michael Baigent, Os Manuscritos de Jesus, Editora Nova Fronteira, 2006, ISBN 978-852-091-898-2.

Cortesia de ENFronteira/JDACT