sexta-feira, 29 de maio de 2020

O Teatro Naturalista e Neo-Romântico (1870-1910). Luiz Rebello. «… a intervenção dos intelectuais de 70 na vida teatral do país assumiu a figura de uma pequena secante. Nenhum deles fez do teatro, como Garrett, o centro da sua paixão…»


Cortesia de wikipedia e jdact

O Teatro em 1871
«(…) Não se esqueça, aliás, que por finais do século o índice de analfabetismo era da ordem dos 75%. O diagnóstico de Eça Queirós estava, pois, certo. Mas faltava encontrar a terapêutica. E nenhum dos homens da geração de 70, mau grado o interesse que, de um modo ou de outro, todos eles manifestaram pelo teatro, se empenhou a fundo em descobri-la.

A Geração de 70 e o Teatro
Com efeito, a intervenção dos intelectuais de 70 na vida teatral do país assumiu a figura de uma pequena secante. Nenhum deles fez do teatro, como Garrett, o centro da sua paixão dominante, embora eventualmente para ele ou sobre ele houvessem escrito, sem que, no primeiro caso, daí tenham advindo consequências de maior para a sua obra ou para a evolução da nossa literatura dramática. Já no segundo caso o seu contributo se revestiu de um significado mais relevante: a investigação histórica de um Teófilo Braga, a doutrinação estética de um Lourenço Pinto, sobrelevam decididamente o mérito dos, raros aliás, textos dramáticos dos seus companheiros de geração. No citado artigo das Farpas, Eça defendia a criação de um teatro normal que estimulasse a criação de uma literatura dramática, isto é, o enriquecimento do nosso património intelectual». Não foi, decerto, cumprido este propósito com o seu único labor teatral conhecido: uma imprevista tradução (que aliás ficou inédita) de um melodrama francês de Joseph Bouchardy, Philidor, modelo acabado daqueles dramas de efeito que não pouparia, mais tarde, aos seus sarcasmos... É certo que no seu espólio literário foram encontrados apontamentos para uma peça a extrair de Os Maias, o único dos meus livros que sempre se me afigurou próprio a dar um drama, e um drama patético, de fortes caracteres, de situações morais altamente comoventes, diria ele em carta dirigida ao escritor brasileiro Augusto Fábregas, que transpusera O Crime do Padre Amaro para a cena. A adaptação teatral dos Maias ficaria, porém, a dever-se a José Bruno Carreiro (e estrear-se-ia em 1945, no Teatro Nacional, por ocasião das comemorações do primeiro centenário do grande romancista), mas circunscrever-se-ia praticamente ao conflito passional do livro, reduzindo-lhe o alcance da crítica social.
Outras teatralizações da ficção queirosiana foram empreendidas, quase sempre com êxito, pelo conde de Arnoso e Alberto Oliveira (Suave Milagre, 1901), Vaz Pereira (O Primo Basílio, 1915), Artur Ramos (A Relíquia, em colaboração com Luis Sttau Monteiro, 1969), e A Capital, em colaboração com Artur Portela Filho, 1971). E o colaborador de Eça nas Farpas, Ramalho Ortigão, (1836-1915), também limitou a sua actividade dramatúrgica à tradução de obras alheias, embora de melhor quilate que o melodrama de Bouchardy: o Anthony de Dumas (1870), O Marquês de Villemer de George Sand, A Esfinge e O Acrobata de Feuillet (1874), Fromont & C.ª de A. Daudet e A. Belot (1899), a Electra de Pérez Galdós (1901).
O interesse de Teófilo Braga (1843-1924) pela história da nossa literatura em geral, e do teatro em particular, corporizou-se nos quatro tomos da sua História do Teatro Português, publicados em 1870 e 1871 e respectivamente dedicados à Vida de Gil Vicente e sua Escola (que em 1898 seria por ele desenvolvido e desdobrado em dois volumes), à Comédia Clássica e as Tragicomédias, à Baixa Comédia e a Ópera, a Garrett e os Dramas Românticos. Com todos os seus lapsos e inexactidões, as suas hipóteses arriscadas, que o facto de se tratar de um terreno virgem, pela primeira vez explorado, amplamente justificava, com todos os seus preconceitos, a sua conformação aos esquemas mentais do positivismo, ela é ainda o estudo mais completo, mais sistemático, mais rico de informações, que ao nosso teatro até hoje se consagrou: e a verdade, como observou Augusto Costa Dias, é que poucos souberam, como Teófilo, analisar as ideologias na criação literária, os seus aspectos alienatórios e as suas determinações económico-sociais». In Luiz Rebello, O Teatro Naturalista e Neo-Romântico (1870-1910, Série Literatura, volume 16, Instituto de Cultura Portuguesa, Livraria Bertrand, 1978, Centro Virtual Camões, Instituto Camões.

Cortesia do ICamões/JDACT