sexta-feira, 29 de maio de 2020

O Teatro Naturalista e Neo-Romântico (1870-1910). Luiz Rebello. «Mais activa seria a participação de Guilherme Azevedo, (1839-1882), o poeta revolucionário da Alma Nova, que se reunira ao grupo coimbrão…»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Teatro em 1871
«(…) Esse mesmo interesse tê-lo-á movido, embora com resultados bem menos relevantes, a escrever duas peças, ambas em verso, baseadas na vida de duas grandes figuras literárias: Gil Vicente (Auto por Desafronta) e Correia Garção (Poeta por Desgraça), que em 1869 foram incluídas no volume de poesias Torrentes. A última fora representada em 1865, no Teatro Académico de Coimbra, tendo Eça de Queirós interpretado o protagonista. Motivos vicentinos inspiraram ainda a Teófilo o auto O Lobo da Madragoa, integrado no 2.º volume da colectânea Folhas Verdes, editada igualmente em 1869. Tempos depois, em 1907, com os cinco actos, enquadrados por um prólogo e um epílogo, de Gomes Freire, reincidiria no drama histórico, que, invocando o Shakespeare de Júlio César e o Schiller de Guilherme Tell, contrapunha à tragédia antiga, considerando-o a expressão teatral moderna por excelência, na medida em que nos pode apresentar os altos caracteres, como tipos de imitação, e dar-nos a lição objectiva dos grandes sucessos como uma animada experiência sociológica. Um propósito semelhante animara Oliveira Martins (1845-1894) a conceber o projecto de um ciclo de quatro peças históricas, que todavia nunca chegou a realizar mas de que confidenciou a Teófilo Braga, numa carta datada de 1869, os títulos e os temas: A Tragédia do Jogral, em que aspirava a desenhar, dentro do movimento nacional português de emancipação dos servos, o carácter da Idade-Média, pela formação da consciência dentro do animal»; Afonso VI, tragédia histórica, simbolizando o cair do direito divino e da autoridade política; O Abade, luta confusa de elementos religiosos, políticos e económicos da sociedade actual; e O Mundo Novo, tragédia ideal representando a fusão e compreensão do espírito com a carne, da ciência com a consciência, o encerramento da Idade-Média, a continuação da antiguidade alargada por todas as descobertas do mundo moral.
Mais activa seria a participação de Guilherme Azevedo, (1839-1882), o poeta revolucionário da Alma Nova, que se reunira ao grupo coimbrão quando este se deslocou para Lisboa entre 1870 e 1871: além de uma tradução de Sardou. (Andréa, 1876) e de uma opereta francesa, escreveu uma comédia-drama em quatro actos, Rosalino, e, em colaboração com Guerra Junqueiro, a revista do ano Viagem à Roda da Parvónia. A primeira, definida por Rafael Bordalo Pinheiro como a expressão espirituosa da sensaboria lisboeta, estreou-se no Teatro Nacional em 1877, mas foi hostilmente recebida pelo público e pela crítica; mais tarde, o autor reduziu-a a três actos, eliminando a parte dramática e refundindo a parte cómica, subindo então de novo à cena no Teatro do Ginásio, mas desta vez com assinalado êxito. Neste mesmo Teatro se representou, a 17 de Janeiro de 1879, a revista escrita de parceria com Junqueiro, anunciada nos cartazes como relatório em quatro actos e seis quadros, da autoria de Gil Vaz (comendador)», que seria pateada das dez à meia-noite e proibida no Governo Civil à uma da madrugada. Dela falaremos mais desenvolvidamente no capítulo dedicado ao teatro de revista, limitando-nos por agora a citar Antero Quental (que em 1875 havia traduzido, com Jaime Batalha Reis, o libreto da ópera-cómica O Degelo, posta em música por Augusto Machado): numa das curiosas notas incluídas na sua edição em livro, o autor dos Sonetos caracterizou-a como a descrição da sociedade de Lisboa, na variedade pitoresca das suas pequenas e não pequenas misérias morais e intelectuais, com os seus ridículos e as suas baixezas, as suas pretensões e a sua ignorância, o seu descaramento e o seu vazio». In Luiz Rebello, O Teatro Naturalista e Neo-Romântico (1870-1910, Série Literatura, volume 16, Instituto de Cultura Portuguesa, Livraria Bertrand, 1978, Centro Virtual Camões, Instituto Camões.

Cortesia do ICamões/JDACT