domingo, 26 de dezembro de 2021

As Igrejas de Castelo de Vide. Ruy Ventura. «Dar valor a uma igreja, ainda que pequena e humilde, mas histórica, é respeitar um passado que nos mantém de pé, pois faz parte das nossas raízes. Não há futuro sem passado»

Cortesia de ArquivodoNorteAlentejano e jdact

Com a devida vénia a Ruy Ventura e ao jornal Alto Alentejo

As Igrejas de Castelo de Vide fazem falta

«(…) É certo que em Castelo de Vide e no seu concelho nunca existiram igrejas dedicadas a São Martinho ou à Senhora da Saúde (como alguém escreveu), mas o valor memorial e patrimonial de igrejas e capelas como as que existem no concelho alentejano é algo que não pode ser desperdiçado seja por quem for. Desde uma igreja de Santiago (que investigadores internacionais já identificaram como uma antiga mesquita) à do Salvador do Mundo (anterior à nacionalidade e ligada ao cristianismo moçárabe), passando pelo Senhor do Bonfim (com um admirável conjunto de pinturas murais), ao Bom Jesus e à Senhora do Carmo (com retábulos que urge estudar, restaurar e divulgar, no âmbito da comunidade de artistas que existiu em Castelo de Vide nos séculos XVII e XVIII), a Santo Amaro (uma admirável igreja barroca!), às medievais São Roque e Santo Amador e a muitas outras, há um imenso conjunto de oportunidades a explorar, no âmbito de uma religiosidade aberta, de um turismo religioso e cultural e de uma estratégia inteligente de desenvolvimento local. É um erro pensar que as igrejas só merecem estar de pé enquanto lá se celebrar missa todos os domingos. Não foram construídas para isso. A maior parte delas, desde o dia da sua inauguração, só teve eucaristia uma vez por ano (ou no dia da sua festa ou no dia do sufrágio de quem lá estava enterrado, em geral os seus fundadores). A sua manutenção era assegurada por um ermitão, que aí vivia de graça e em troca de habitação gratuita tinha de assegurar a abertura de portas aos fiéis. Hoje em dia serão usadas de outro modo, com fins distintos. Não serão todavia menos dignos.

Dar valor a uma igreja, ainda que pequena e humilde, mas histórica, é respeitar um passado que nos mantém de pé, pois faz parte das nossas raízes. Não há futuro sem passado. É muito urgente dar valor a este e a outros patrimónios, sobretudo num tempo em que motivações espúrias querem purificar a nossa memória, derrubando e vandalizando estátuas e pessoas, levando-nos para a barbárie. Acredito que os negócios sejam sedutores, que a pressa de resolver situações seja má conselheira, que a imaginação nem sempre seja abundante, que pressões várias, nem sempre legítimas, façam esquecer o dever maior. Não é por acaso que o Direito Canónico afirma só ser válida a alienação de ex-votos oferecidos à Igreja, ou de coisas preciosas em razão da arte ou da história com licença expressa da Santa Sé, permitindo todavia que, além do culto, da piedade e da religião, o bispo diocesano permita nas igrejas outros actos ou usos, que não sejam contrários à santidade do lugar. Mesmo que as circunstâncias tenham levado à perda da bênção do local, é sempre possível dar-lhes um uso digno que respeite a sua integridade memorial, arquitectónica e artística. Há exemplos vários disso mesmo no Alentejo e no país, alguns bem perto. Não é preciso reinventar a roda…

Um dos primeiros actos de São Francisco depois da sua conversão foi promover nos arredores de Assis a reparação da igreja de São Damião, que ameaçava ruína e estava abandonada. Para isso, vendeu tudo o que tinha e, segundo contam as suas biografias medievais, chegou a andar pela sua terra a pedir pedras para a reconstrução, prometendo recompensas divinas. Nem todos podemos chegar ao exemplo maior dos santos, mas, como me disse um dia, era eu adolescente, o saudoso cónego Justo, membro do cabido da Sé de Portalegre, se nem todos conseguimos ser santos, todos temos a obrigação de ser nobres e honrados. Haja nobreza de carácter, honra e humildade e a situação das igrejas de Castelo de Vide será resolvida a pouco e pouco pelos castelo-videnses, pelas suas autoridades civis e por quem dirige a sua paróquia. Não me passa pela cabeça que venham a ter uma atitude menos digna. O Paráclito os espicaçará». Ruy Ventura, As Igrejas de Castelo de Vide Fazem Falta, artigo publicado no jornal AltoAlentejo, 17/06/2020, Arquivo do Norte Alentejan.

Cortesia de JALentejo/RuyVentura/JDACT

JDACT, Património, Ruy Ventura, Cultura e Conhecimento, Castelo de Vide,