terça-feira, 12 de abril de 2011

Damião de Góis e os Mercadores de Danzig: «Cinco anos mais tarde, em 1554, veio a público uma das primeiras «monografias» da Lisboa quinhentista. Com perfeia propriedade de linguagem, Damião de Góis descreveu-nos o Terreiro do Trigo, dissertando um pouco sobre a situação cerealífera de Portugal no século XVI»

Cortesia de purl 

«Em cada uma destas obras se notava uma preocupação económica muito acentuada: Damião de Góis apresentava os quantitativos em ouro, dos rendimentos dos arcebispados e bispados de Península e dos principais membros da Nobreza. O seu capítulo, «Mercancias que da Espanha são levadas a outros países», era um primoroso resumo das exportações dos dois reinos peninsulares no século XVI. Na «Defesa da Espanha contra Munstero», o assunto retomava-se com todo o pormenor. Damião de Góis debatia, por exemplo, o problema da carência de trigo, que atribuía à falta de braços, causada pelas navegações de portugueses e espanhóis. Era ainda nesta mesma obra que o seu autor mencionava o tráfico das especiarias com o Oriente, discriminando também os principais produtos da ilhas do Atlântico, do Brasil e da África, objecto de comércio. A carta dirigida, a Fugger, a quem chamava «Diogo amigo» e a resposta deste, ambas incluídas no opúsculo de que tratamos, mostravam bem como Damião de Góis se achava em contacto, e em termos de quase familiaridade, com representantes da grande finança da Europa de então.

Cortesia de quetzaleditores
Em 1546, o futuro cronista publicou a sua primeira obra em Portugal:
  • uma descrição do cerco de Lovaina, onde tomara parte activa.
Deu-lhe o título latino de Vrbis lovaniensis obsidio. É fácil de compreender que o tema agora tratado nunca seria propício à exibição de conhecimentos de natureza económica. O mesmo se diga do opúsculo contendo a descrição do segundo cerco de Diu, editado em 1549:
  • De Bello Cambaico ultimo Commentaríi tres.
Cinco anos mais tarde, em 1554, veio a público uma das primeiras «monografias» da Lisboa quinhentista. Com perfeia propriedade de linguagem, Damião de Góis descreveu-nos o Terreiro do Trigo, dissertando um pouco sobre a situação cerealífera de Portugal no século XVI:
  • o mercado do peixe, cuja técnica de abastecimento era abordada; 
  • a Casa da Índia.
O problema do trigo voltava a ser focado quando o cronista passava a tratar de Santarém e de Alenquer. Não se esqueceu ele de mencionar a sua amizade com o escrivão da Casa da Índia. E só não entrou no capítulo das importações e das exportações de Lisboa por se lembrar de que tratara já esse assunto no opúsculo sobre a grandeza da Espanha, para que remeteu o leitor.

Cortesia de alenquermonumentos 
A descrição de Lisboa encerra o capítulo dos trabalhos menores de Damião de Góis, todos escritos em latim. Durante 12 anos foi o escritor recolher pacientemente os materiais com que redigiria as duas grandes obras, que o consagraram na historiografia portuguesa:
  • a Crónica de D. Manuel, impressa em 1566-67,
  • a Crónica do Princípe D. João, cuja edição «princeps» levava a data de 1567.
Seria fastidioso e demorado fazer referência a todas as passagens da Crónica de D. Manuel onde o seu autor dava provas da formação mercantil que possuía. mencionem-se apenas alguns casos mais interessantes. Assim, na parte IV, cap. XX, Damião de Góis falava de algumas cunhagens de numérico, ordenadas pelo rei Venturoso, não se esquecendo de referir o contrato realizado com Jacob Fugger para a compra de 50 000 quintais de cobre; na mesma parte, descreveu-nos as negociações entabuladas pela Senhoria de Veneza, sobre o tráfico das especiarias». In Portugal Quinhentista (Ensaios), A. Oliveira Marques, Quetzal Editores (Referências), Lisboa 1987.

Cortesia de Quetzal Editores/JDACT