sábado, 23 de abril de 2011

Nunes Freire: Os Campos Elísios. «Na dedicatória ao abade do mosteiro de Lordelo trás informações para a história genealógica dos Atouguias e anota o facto curioso de ter sido apenas quando Rodrigo da Cunha foi bispo da cidade que o Porto passou a contar com uma oficina impressora»

Cortesia de miau

«Sabe-se que era natural do Porto onde teria bascido na primeira metade do século XVII e que uma vez ordenado, foi professor de latim e capelão-mor da Misericórdia. Deve ter morrido entre 1647 e 1655, dado que na primeira destas datas ainda pedia privilégio de dez anos para a publicação dos Catarpácios de sintaxe e de géneros e pretéritos com suas regras e na segunda, idêntica petição era já feita a Gonçalo Laiem, herdeiro do padre João Nunes Freire.
Publicou as seguintes obras:
  • Anotações aos géneros e pretéritos da arte nova, 1635,
  • Anotações ad Rudimenta Grammatical, 1643,
  • Margens de sintaxe com a construção em português, 1644,
  • Os Campos Elísios, 1626.
Na sua obra narrativa, os Campos Elísios, deixou-nos uma novela pastoril muito influenciada por Francisco Rodrigues Lobo, isto é, segundo o censor frei Tomás, no género de fingidos amores pastoris dos mais honestos, em prosa e verso. 
Na dedicatória ao abade do mosteiro de Lordelo trás informações para a história genealógica dos Atouguias e anota o facto curioso de ter sido apenas quando Rodrigo da Cunha foi bispo da cidade que o Porto passou a contar com uma oficina impressora

Cortesia de betinamoraes
A obra está dividida em doze jardins, ou capítulos, com escassa intriga e algumas descrições apreciáveis, particularmente das regiões do Douro e do Lima.

Escondida esteve Floricena enquanto o pastor estrangeiro cantava estes versos às vagarosas correntes do Lima e depois que viu que acabava de cantar, se ia recolhendo pela praia a tempo que já o pastor, depois de cantar, tirando a vista do rio onde a tinha posta e espalhando-a pela areia, com os olhos encontrou a galharda Floricena que com os seus agravados das passadas lágrimas, ficava com tal suavidade neles que acrescentavam muito a sua formosura e depois que a viu, se alevantou donde estava e com a devida cortesia a damas e respeito que pedia uma formosura tão grande, quando obriga à alma e aos olhos à sujeição de seu império, a começou de deter com estas razões:
  • até agora tive por fabulosos os poetas quando, encarecendo a excelência dos rios, nas praias deles pintavam muitas ninfas, metendo todo o resto em encarecer sua formosura. ( ... );
  • costume é, tornou ele, de pastores de tanta cortesia, como mostras na que usas comigo, fazerem mercês às damas de as sustentar na opinião que elas desejam ter, mas suposto que tuas palavras nasçam mais da tua cortesia que de meu merecimento, eu te agradeço muito o gabo que me deste em que mostraste bem teu engenho, dando eu tão pouca matéria a mercês tão grandes, como conheço de mim. ( ... );
  • por me aproveitar dos favores que nisso me fazes, respondeu o estrangeiro, te enfadarei com a história de minha vida, se me quiseres ouvir, ainda que larga. ( ... );
  • em as praias do caudaloso Douro, tão conhecido pelas crescentes abundantíssimas de suas águas, nasci de uma formosa pastora que no seu tempo era a glória do campo e a recreação dos vales, a quem amor casou com um aldeano das mesmas ribeiras, benquisto de todos pela afabilidade de sua condição. ( ... ).

Cortesia de descobriraterra
Ela, no princípio de sua vitória, dava má vida à minha liberdade, tratando-a sempre como senhora isenta, não se querendo servir dela para mais a mortificar, tendo-a porém na força de todas estas isenções sempre em sua companhia, donde a continuação e meu sofrimento fizeram tanto com ela que se deu por bem servida de minhas coisas e estimava já serem elas suas.
( ... )
E certo que era pastora de tantas perfeições que correspondia bem o nome à muita que ela tem, trataram-me desse casamento como alvitre grande, pelo muito que nele podia ganhar um pastor mais desobrigado. Porém eu me escusei com a pouca idade. ( ... )». In João Nunes Freire, Os Campos Elísios, Jardim quarto, João Palma-Ferreira,  Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. 

Cortesia de Fundação Calouste Gulbenkian/JDACT