domingo, 24 de abril de 2011

Manuel Bernardes. Luz e Calor. Parte I: «Ele não é o escritor sempre igual, calmo, muito equilibrado, gozando a paz da sua cela, limando na perfeição linguística e serenidade espiritual, as suas páginas. Pelo contrário, é mesmo o ele oscilar constantemente entre polos muito contrários, como o raciocínio mais lógico e a crença mais angelical e ridiculamente supersticiosa»

Cortesia de pesporrente

Com a devida vénia a João David Pinto Correia.
Capítulo II
«A obra Luz e Calor ocupa lugar muito representativo no conjunto bibliográfico de Manuel Bernardes. Podemos mesmo afirmar que, nela, se encontram resumidas e sintetizadas as suas personalidades humana, literária e espiritual.
Quanto à primeira, a humana, a um rápido contacto, deparamos com um temperamento calmo e, muitas vezes, amaneirado, adocicado, por outras palavras, «beato» no seu pior sentido. Tal impressão, se muito conserva de exacto, tem, no entanto, prejudicado que se descubra a personalidade completa do nosso oratoriano.
No aspecto literário, múltiplos são os aspectos do escritor, todos bem patentes numa simples obra como esta: em primeiro lugar, o escritor doutrinário, que, embora pretenda ser mais prático do que especulativo, nunca deixa de expor a matéria religiosa ou moral de forma metódica, obediente às regras da lógica, bem consciente dos princípios da argumentação e da melhor forma de persuadir o leitor.

Cortesia de portaldaliteratura
Igualmente, encontramos o tom confessional e lírico de algumas passagens de carácter mais acentuadamente místico:
  • a par de um tom sentencioso e zelosamente apostrófico de moralista, há a doce ingenuidade do admirador das belas coisas humanas e o ardente entusiasmo perante as maravilhas e mistérios de Deus, ou, então, a solenidade, o barroquismo, constrastando tão intensamente com o tom coloquial de muitos outros passos.
Por toda a obra, encontramos o Bernardes dos grandes contrastes. Ele não é o escritor sempre igual, calmo, muito equilibrado, gozando a paz da sua cela, limando na perfeição linguística e serenidade espiritual, as suas páginas. Pelo contrário, julgamos que uma das principais características de Bernardes-escritor, é mesmo o ele oscilar constantemente entre polos muito contrários, como o raciocínio mais lógico e a crença mais angelical e ridiculamente supersticiosa.

Cortesia de luzecalor 
Reflecte-se talvez assim no oratoriano uma das características do seu tempo:
  • o «gosto de contraste violento», que Jacinto do Prado Coelho aponta como nota dominante para outro vulto do mesmo século.
Poderia dar importância aos exemplos edificantes que estiveram de acordo com os seus «afectos pios» mas, como observa Ebion de Lima, os seus «exemplos são fortes»...
Como reflexo da sua personalidade espiritual, a Luz e Calor mostra-nos em Bernardes que é, ao mesmo tempo, o interessado nas questões teológicas e filosóficas, o moralista, o doutrinador da ascese, o doutrinador quanto à mística, mas também o poeta espiritual. Luz e Calor aparece-nos assim como obra muito variada». In João David Pinto Correia, Luz e Calor no conjunto da Obra do Padre Manuel Bernardes, Fundação Calouste Gulbenkian 2005.

Cortesia da Fundação Calouste Gulbenkian/JDACT