quarta-feira, 8 de junho de 2011

Diogo do Couto. Década Quarta da Ásia: «O teor do discurso constitui uma clara prova da sujeição do cronista aos desígnios próprios do ambicioso Vidigueira, desejoso de enraizar em Goa o culto dos Gama. Mais tarde, sempre por sua iniciativa, seria colocada, sobre a porta do cais dos vice-reis, da banda de fora, uma estátua do descobridor, que daria muito que falar»


Cortesia de foriente

Introdução à leitura da Década Quarta de Diogo do Couto.
«Por meados deste período de trabalho encarniçado, a corte, que se mostrara tão favorável a Diogo do Couto, começou a interrogar-se sobre o homem. A breve prazo iria até pôr em questão a nomeação, comunicada em 1595. Conhecem-se duas causas para esta mudança de atitude:
  • a posição de Matias de Albuquerque relativamente aos papéis da Índia,
  • e informações prejudiciais, chegadas à mais alta esfera, sobre as capacidades de Diogo do Couto, e a sua «pureza de sangue».
Devido a esta mudança de atitude, o sucessor de Matias de Albuquerque, que foi D. Francisco da Gama, viria a ter nas mãos o destino do diligente e rápido cronista. Podia-lhe ter cortado a crónica. Não o fez. Era bisneto de Vasco da Gama, a quem Luís de Camões cantara. E tinha desígnios muito próprios sobre a Índia, que considerava domínio dos Vidigueira. Convinha-lhe um homem de letras, que não só cantasse os fastos do seu governo, como defendesse na praça, e fixasse em escritura, os direitos da sua família, tal como ele os entendia.


Cortesia de foriente

O rei escrevia-lhe que distinguisse entre os documentos que podiam ou não ser confiados a Diogo do Couto; que expusesse a sua opinião sobre o regimento do arquivo; que ponderasse se havia de ser Couto a passar as certidões; que lesse as Décadas que ele ia compondo, e desse sobre elas a sua sentença; que, de acordo com o arcebispo de Goa (frei Aleixo de Meneses), se pronunciasse sobre o homem, de quem era informado que tinha «falta em seu nascimento». Se Couto lhe parecesse a pessoa indicada para organizar o arquivo, e escrever a história da Ásia, que o ajudasse em tudo. Caso contrário, escolher-se-ia pessoa mais capaz.
Couto era tão hábil e dissimulado no seu trato com as altas personagens, como crítico e amargo no seu foro interior. D. Francisco deu boas informações dele ao rei. Em contrapartida, o «soldado-escritor» assumiu o compromisso, tácita ou explicitamente, de defender a causa dos Vidigueira, escrevendo a história de um ponto de vista compatível, e colaborando na promoção do culto dos Gama no Estado. Esta aliança fora rapidamente concluída antes mesmo de o vice-rei receber as instruções do rei, que mais decisivamente o faziam juiz da sorte do nosso autor.

Cortesia de foriente

A tomada de posse de D. Francisco em Goa teve lugar no dia 1 de Junho de 1597. Pelo Natal inaugurou-se nos Paços da cidade um retrato de Vasco da Gama em tamanho natural, e Couto foi o orador oficial da cerimónia. O teor do discurso constitui uma clara prova da sujeição do cronista aos desígnios próprios do ambicioso Vidigueira, desejoso de enraizar em Goa o culto dos Gama. Mais tarde, sempre por sua iniciativa, seria colocada, sobre a porta do cais dos vice-reis, da banda de fora, uma estátua do descobridor, que daria muito que falar.
Entretanto o cronista não esmorecia nas diligências em prol da sua própria obra. Nas naus de 1597, que deram à vela em 17 de Janeiro de 1598, iam o manuscrito da «Década 4», ou os manuscritos das «Décadas 4 e 5».
Couto referir-se-á mais tarde a um só, ou a ambos, quando evocar esta armada em diferentes ocasiões.

Em 1598 agrava-se o estado de Filipe II que morrerá nesse ano em 13 de Setembro; e multiplicam-se, relativamente à Índia, as medidas, que já vinham do ano anterior, favoráveis aos fidalgos dos quatro costados e aos cristãos velhos, e contrárias a judeus, cristãos-novos, gentios e mestiços.
Entretanto Couto continua a trabalhar na «Década 6», e nada faz crer que tenha sido incomodado por este rigor novo. Somente D. Francisco concebe um projecto que não lhe deve ter dado alegria. Não tinha um cronista à sua disposição? Pois que o cronista fizesse uma pausa nas suas Décadas, e, em vez de escrever a História da Ásia, consagrasse antes a sua pena a narrar as façanhas dos Gamas naquelas partes. E isto, desde o início, desde Vasco da Gama, desde a partida do seu bisavô, de Belém». In Diogo do Couto, Década Quarta da Ásia, volume I, coordenação de M. Augusta Lima Cruz, Fundação Oriente, 1999, ISBN 972-27-0876-7.

http://www.angelus-novus.com/admin/livros/uploads/soldado_pratico_E.pdf

Cortesia da Fundação Oriente/JDACT