quinta-feira, 9 de junho de 2011

Painel de São Vicente de Fora. Nuno Gonçalves: Parte IV. Painel dos Cavaleiros (1). As Individualidades. Uma obra-prima da pintura portuguesa do século XV, pintada a óleo entre 1470 e 1480

Cortesia de paineis

Painel dos Cavaleiros.
Parte 1.

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Um painel de individualidades
«Se no painel do Arcebispo se destaca uma intenção de igualização das figuras principais, no painel «dos Cavaleiros» parece destacar-se uma intenção oposta, ou seja, a de caracterizar as quatro figuras principais de forma altamente individualizada, resultando a singularização de cada uma delas ainda mais acentuada pela presença do friso de figurantes do último plano, absolutamente idênticos entre si, no vestuário, aparência e ausência de caracterizações emblemáticas.
É talvez uma boa ocasião para de novo sublinhar a distinção funcional entre as figuras principais e os frisos de figurantes, porque em nenhum painel ela é mais acentuada do que neste. O papel dos quatro figurantes recuados é sobretudo o de, por um lado, serem contados e estruturarem uma continuidade horizontal com os frisos semelhantes dos painéis da Relíquia e do Arcebispo, ambos repletos de figuras eclesiásticas; e, por outro, o de destacarem as figuras realmente importantes do painel, através do contraste entre os dois grupos. É muito possível, se não mesmo provável, que as feições dos quatro figurantes tenham correspondido apenas a modelos de ocasião presentes no círculo do pintor e de quem encomendou a obra, enquanto é praticamente certo que as quatro figuras destacadas correspondam de facto a personagens históricas de primeira grandeza.

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Encontram-se, nos quatro cavaleiros deste painel, algumas das principais chaves que confirmam a hipótese de uma charada cuja lógica passa, não só pela estrutura global da composição, mas por toda uma carga simbólica condensada em pequenos objectos e pormenores com cargas de sinais contrários. Enumeremos pois as diferenças básicas entre as figuras:
  • Cada cavaleiro enverga uma cor distinta (roxo, verde, vermelho, negro).
  • Cada espada está decorada com fios de cor diferente (dourados para o cavaleiro verde, prateados para o vermelho, negros para o roxo).
  • O vestuário dos quatro é completamente distinto, não existindo sequer dois barretes da mesma cor.
  • Cada cavaleiro mostra objectos que o distinguem de forma clara: uma pérola e uma cruz partida pendentes do pescoço, respectivamente para os cavaleiros verde e roxo, um capacete único para o negro, uma pequena bolsa pendurada no cinturão para o vermelho.
Mesmo os traços que são comuns a alguns dos cavaleiros parecem distingui-los em termos psicológicos das duas figuras de barretes roxos e trajes idênticos do painel do Arcebispo:
  • os seus rostos traduzem carácter e assertividade, ao invés da humildade e simplicidade que prevalece no painel do Arcebispo.
Procuramos evitar as areias movediças da interpretação fisiognómica, mas salientamos, apesar de tudo, que um retrato pintado por um pintor hábil é um guia mais seguro do carácter, verdadeiro ou atribuído pelo pintor, do retratado, do que uma fotografia das suas feições reais que pode captar um instante transitório e enganador.

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Se as feições dos homens de barrete roxo no painel do Arcebispo estiverem de acordo com os modelos originais, mais parecerá que o pintor teve a intenção de sublinhar a simplicidade e, porque não dizê-lo, falta de inteligência (repare-se no olhar vago e mortiço do da direita) do que de atenuar a sua fisionomia infeliz. No caso dos cavaleiros, no entanto, a impressão é bem diferente: as expressões não são idênticas, mas em nenhum deles deparamos com semelhante apagamento, com semelhante ausência de individualidade e energia.
O contraste entre os retratos dos cavaleiros e os das principais figuras do painel central que lhes é contíguo, é pois mais uma pista para a compreensão do todo». In Painéis de São Vicente de Fora.

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Cortesia de Painéis/JDACT