segunda-feira, 13 de junho de 2011

José Manuel Anes: Literatura e esoterismo em Pessoa. «Já no Ensaio sobre a Iniciação (...), se adivinhava que a experiência da escrita era também e sobretudo uma aventura iniciática. A busca e a revelação da palavra são o mesmo que a busca e a revelação da verdade. Se bem que Caeiro lhe tenha tentado fazer entender que o sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum, este ensinamento do Mestre não vingou em Pessoa»

Cortesia de filosofiaperenezip


Literatura e esoterismo em Pessoa.
Jorge de Sena foi talvez dos primeiros que chamou a atenção para a importância das concepções esotéricas de Pessoa na própria obra do poeta, num artigo que saiu no Diário de Notícias de Março de 1957, a propósito da publicação de The Magician de Somerset Maugham, onde a personagem central é Aleister Crowley, e num outro artigo que publicou no jornal Estado de São Paulo em Março de 1963, e no Comércio do Porto em Janeiro de 1964, que merece, pela sua importância precursora, uma longa citação:
  • «O capítulo das relações e convicções esotéricas de Fernando Pessoa e, ainda hoje, com ser fundamental, um dos menos compreendidos. Não é possível compreender-se aquilo que não se toma a sério. Mas para bem compreendermos e apreciarmos a importância daqueles aspectos decisivos da personalidade civil e da personalidade poética de Fernando Pessoa, não é necessário ser-se ocultista, e é até inconveniente porque daríamos importância a coisas que esteticamente não importam. É, porém, indispensável tomarmos a sério, criticamente, aquilo que Pessoa assim tomava. Porque grande equívoco é, por deficiência de visão e de informação, não situar devidamente no seu contexto europeu um interesse pelo Oculto, que Pessoa partilhou com quase todos os grandes pares do post-simbolismo. Ele, Yeats, George, Rilke, Milosz, e tantos outros, não podem ser compreendidos e valorizados, se forem pudicamente amputados do que, com características várias, foi parte integrante das suas pessoais visões do mundo. E há que entender que uma visão esotérica do mundo (...) não existe, nem é possível, sem ironia, uma ironia de carácter transcendente, que, para uso de burgueses crédulos e assustadiços, pode assumir formas de mistificação».

Cortesia de vavadiando

Yvette Centeno escreveu que «Já no Ensaio sobre a Iniciação (...), se adivinhava que a experiência da escrita era também e sobretudo uma aventura iniciática. A busca e a revelação da palavra são o mesmo que a busca e a revelação da verdade» (in Fernando Pessoa: os Trezentos e Outros Ensaios). O próprio poeta, como salienta António Quadros, ao procurar «fazer a analogia, com a poesia, dos graus de Neófito, de Adepto e de Mestre numa Ordem Secreta (...) Pessoa diz que ao primeiro grau correspondem as noções culturais mais simples, a gramática, a cultura geral, a cultura literária particular, etc.; que ao segundo corresponde a capacidade de escrever poesia lírica, indo mesmo até à ode, poesia lírica ordenada ou filosofica; e que ao terceiro, o de Mestre crresponde:
  • escrever poesia épica,
  • escrever poesia dramática,
  • a fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática em algo para lá de todas elas,
  • o texto completo está em Y. K. Centeno, Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética.
Pessoa ao falar-nos da criação literária, ou artística em geral, como um acto alquímico-mágico exprime bem esses sentimentos de força e de poder superiores que sabe, porque sente, estarem na origem de todo o conhecimento oculto das coisas. Se bem que Caeiro lhe tenha tentado fazer entender que o sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum, este ensinamento do Mestre não vingou em Pessoa. Por isso se interroga: «o que são os graus místicos, mágicos e alquímicos? o que é o sub-grau de senhor do Limiar?

Como refere Paula Costa, Pessoa, afirma ser a criaçao de Caeiro e dos discípulos Reis e Campos, comparável a «um grande acto de magia intelectual» que se concentra e prepara, como diz, para criar literariamente numa quarta dimensão da mente»:
  • "a criação de Caeiro e dos discípulos Reis e Campos parece, à primeira vista, uma elaborada partida da imaginaçao. Mas não é. E um grande acto de magia intelectual, uma obra magna do poder criador impessoal".

Cortesia de icicomup

Esta divisão criacionista, este criacionismo literário, como lhe chamou A. Quadros, que transformará o poeta num quase-deus, foi teorizado por Pessoa no seu «Ensaio sobre a Iniciação: «O Adepto, se conseguir a unidade entre a sua consciência e a consciência de todas as coisas, se conseguir transformá-la numa inconsciência (ou inconsciência de si próprio) que é consciente, repete dentro de si o Acto Divino que é a conversão da consciência individual de Deus na consciência plural de Deus em indivíduos».
Como sustenta também Paula Costa, pode afirmar-se que toda a obra de Pessoa é, mais tarde ou mais cedo, teorizada por ele em termos iniciáticos e encontra neles o seu fundamento. Yvette Centeno dirá que:
  • «Todos os textos, e são muitos, referentes à filosofia hermética me parecem indispensáveis para perceber a sua obra»
e Lima de Freitas proporá um paradigma hermético que será responsável pela obra do poeta: «o paradigma hermético é, finalmente, (...) o primeiro de todos, na hierarquia das causas responsáveis por aquilo que provaria ser a substância, e a essência, a mais fascinante e a mais perdurável, do pensamento, do texto e da significação última de Pessoa». In José Manuel Anes, ( Paula Costa), Fernando pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.

Cortesia de Ésquilo/JDACT