terça-feira, 28 de junho de 2011

Jorge Santos Alves: O Domínio do Norte de Samatra. «Entalada entre sínteses sobre as redes comerciais-marítimas do mundo sueste-asiático e os estudos sobre essa espécie de protótipo político-económico e social do sultanato malaio que é o sultanato de Malaca, aquela região não logrou ainda ganhar uma identidade e um espaço historiográfico próprios»

Cortesia dehideportugal

Preâmbulo
«A história do norte de Samatra nos séculos XV e XVI não tem merecido cuidado especial por parte da historiografia da Ásia do Sueste. Entalada entre sínteses sobre as redes comerciais-marítimas do mundo sueste-asiático e os estudos sobre essa espécie de protótipo político-económico e social do sultanato malaio que é o sultanato de Malaca, aquela região não logrou ainda ganhar uma identidade e um espaço historiográfico próprios. Essa identidade e espaço serão sem dúvida mais fáceis de obter quando o norte de Samatra for convenientemente integrado no complexo espacial, habitualmente designado pelas categorias históricas e geográficas como Estreito de Malaca. O primeiro objectivo deste estudo, cuja versão inicial constituiu a nossa dissertação de mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, na Universidade Nova de Lisboa (1992), é pois o de procurar um lugar próprio para a história do norte de Samatra no panorama da historiografia da Ásia do Sueste.

Cortesia de aquitailandia

Trabalhando a partir de um quadro bibliográfico tão vasto e actualizado quanto possível, e sobretudo a partir das fontes que em seguida passaremos em revista, a primeira tarefa consistia em dotar de sólidas cronologias as histórias dos sultanatos de Samudera-Pacém e Achém, sem dúvida as duas unidades políticas mais influentes na região norte de Samatra, nesta época. Em segundo lugar, procurar compreender estes dois sultanatos como sociedades e como modelos de governo, e organizações económicas, vincando o seu lugar em contextos gradualmente mais alargados: primeiramente no contexto regional do norte de Samatra, em seguida no contexto do Estreito de Malaca e, por fim, no quadro asiático do século XVI.

Por último, ao tentar compreender os processos políticos e sócio-económicos destes sultanatos do norte de Samatra, levantar-se-á a questão do domínio sobre esta região. Tudo indica que a luta por uma hegemonia no norte de Samatra, neste período histórico pelo menos, transcendia o âmbito das disputas entre Estados, como normalmente tem sido apresentado, para se elevar ao plano de um conflito essencial entre modos de vida, entre culturas políticas, entre malaios e estrangeiros afinal. Postos os problemas nestes termos, talvez este estudo possa auxiliar a um melhor entendimento do trajecto dos sultanatos malaios, em geral, numa época de transformações maiores como foi o século XVI.

Cortesia de appbras 

A historiografia dos descobrimentos e da expansão portuguesa, por seu turno, nas ocasiões em que se dedicou aos mares da Insulíndia nos séculos XVI e XVII, negligenciou quase sempre os contactos portugueses com os estados do norte de Samatra (Samudera-Pacém e Achém especialmente); esqueceu até a existência de um estabelecimento (fortaleza e feitoria) da Coroa em Samudera-Pacém, entre 1521e 1523.

Ao falar-se do relacionamento histórico dos portugueses com o norte de Samatra não pode deixar de evocar-se uma questão liminar, intimamente soldada com aspectos metodológicos. O contraste das fontes portuguesas (e outras europeias) com as fontes malaias (e outras asiáticas) apresenta-se como a via mais apropriada para contornar algumas refracções que derivam da excessiva proximidade em relação aos textos dos cronistas ultramarinos portugueses. A mais perigosa destas refracções parece mostrar que os ritmos da vida política e económica das sociedades asiáticas, e neste caso também das do norte de Samatra, se determinavam principalmente em função do impacte provocado pela presença e actividades dos portugueses. Era como se aquelas sociedades possuíssem apenas dois rostos: o dos adversários dos portugueses (em regra poderes e mercadores muçulmanos) e o dos seus aliados (por norma as comunidades de mercadores "gentios", isto é não-muçulmanos). Ora, as sociedades contactadas pelos portugueses durante o seu processo expansionista no Oriente eram realidades bem mais complexas do que transparece nas fontes portuguesas, nas quais os jogos da política e dos negócios, sobretudo estes, sentavam à mesa numerosos e experientes jogadores. Assim sucedeu igualmente no norte de Samatra». In Jorge Manuel dos Santos Alves, O Domínio do Norte de Samatra, 1500-1580, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1999, ISBN 972-9326-19-3.

Cortesia de SHI de Portugal/Fundação Oriente/JDACT