segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O Crime dos Illuminati. 1787. César Vidal. «G é a Graça, a Estrela flamífera é a Tocha da Razão. Aqueles que possuem este conhecimento são certamente Illuminati... Illuminati? Koch esfregou o queixo com uma expressão pensativa»

Cortesia de wikipedia

Os Filhos da Luz. Baviera, 1787
«(…) Respirou fundo, verificou com enfado que não restava café na xícara e lançando mão de uma sineta que se erguia marcialmente a algumas polegadas da sua mão esquerda tocou-a com força. Passaram-se apenas alguns instantes e na porta maciça do aposento se ouviram algumas pancadas curtas, como se temessem incomodar. Entre, disse Koch com uma voz que soou fria e carregada de autoridade. Um rapagão de barba loura e eriçada enfiou seu rosto avermelhado pela fresta aberta entre o umbral e a porta. Alguma ordem, senhor?, perguntou com uma voz que pretendia aparentar uma atitude serviçal mas que pouco conseguia. Mais café, respondeu Koch apontando com o indicador a xícara vazia. Uma xícara, senhor?, indagou o jovem. Uma jarra, respondeu Koch, e não se demore, Steiner. Tinha que reconhecer que a advertência carecia de sentido. Na verdade, Steiner, apesar da juventude, constituía um verdadeiro exemplo de ordem e delicadeza. Uma ordem que lhe dava era obedecida de maneira imediata e eficiente. Com certeza, não tinha se enganado quando permitiu a sua entrada na corporação, e ao colocá-lo perto dele.
Quando Steiner fechou a porta, Koch se felicitou pela contribuição à ordem que o agente representava. Bem que gostaria de dedicar alguns instantes à autocomplacência, mas teria que ser mais tarde. No momento..., no momento, existiam prioridades. Jesus de Nazaré, o Grão-Mestre de nossa ordem, apareceu numa época em que o mundo se encontrava na mais absoluta Desordem, e entre pessoas que durante séculos tinham gemido sob o jugo da Escravidão. Ensinou-lhes as lições da razão. Para agir de uma forma mais eficaz, serviu-se da Religião, das opiniões que eram correntes naquela época, e, de uma forma muito astuta, combinou as suas doutrinas secretas com a religião popular, e com os costumes que tinha a seu alcance. Foi justamente neles que envolveu as suas lições: ensinou através de parábolas. Parábolas..., nunca lhe teria ocorrido pensar que as parábolas contivessem um ensinamento secreto vinculado a causas políticas. Sem dúvida, tinha que reconhecer que a carta era, além de disparatada, substanciosa. Jesus escondeu o significado valioso e as consequências das suas doutrinas, mas as revelou com cuidado a alguns poucos eleitos. Fala do reino dos justos e dos fiéis, do reino de seu Pai, de quem somos filhos. Limitemo-nos a tomar a liberdade e a igualdade como os grandes objectivos de sua doutrina, e a Moralidade como o caminho para os alcançar, e todo o Novo Testamento será compreensível; e Jesus aparecerá como o redentor dos escravos.
Koch não era um homem especialmente religioso. Certamente, acreditava em tudo o que a Santa Madre Igreja ensinava e guardava minuciosamente os dias santos, mas não poderia determinar que o que o impelia a isso era a devoção ou o desejo de que a ordem não se rompesse. Contudo, apesar de seu pouco entusiasmo, tinha suficiente conhecimento da religião para chegar à conclusão de que aquilo que tinha acabado de ler não passava de puro disparate. Então, pensou com ironia, católicos e protestantes passaram dois séculos se enfrentando em terras alemãs, em metade da Europa, do outro lado do oceano, simplesmente porque não tinham compreendido que o cristianismo se limitava a impelir a liberdade dos escravos... Que ridículo! Que idiota poderia acreditar em semelhante tolice? Bem, precisava concluir aquela leitura o quanto antes. Sim, entre, disse quando ouviu que batiam na porta. Steiner depositou um bule de café fumegante sobre a mesa. Quer que eu o sirva, senhor?, perguntou solícito o rapaz de rosto avermelhado.
Koch fez um gesto com a mão indicando-lhe que deveria sair do aposento. Um tanto surpreso, o jovem inclinou a cabeça e cochichou algumas palavras de cortesia antes de sair. Pousou a carta sobre a escrivaninha, impulsionou com um movimento a poltrona para poder se afastar do móvel em que se apoiava e ficou de pé. Notou então que estava com as articulações inchadas, cansadas, como que dormentes. Levou as duas mãos aos rins e esticou o tórax para trás. Noutra ocasião, teria produzido um estalo na altura das vértebras lombares, mas agora sentiu apenas um alívio agradável e rápido. Sorriu satisfeito quando constatou que as costas respondiam devidamente. Deu alguns passos para contornar a mesa, colocou-se diante da jarra e serviu-se de uma nova xícara do líquido amargo. Segurou-a com as duas mãos como se sustentasse um cálice e, por um momento, permitiu que seu olhar divagasse pela espuma do café. Finalmente, aproximou o recipiente dos lábios e bebeu um gole longo, quente e electrizante que o levou a fechar os olhos para aproveitá-lo melhor.
Bem, disse em voz baixa. Terminemos com isto o quanto antes. Alguns poucos eleitos receberam as doutrinas em segredo, e elas nos foram transmitidas, embora frequentemente quase soterradas sob o lixo da invenção humana, pelos maçons. As três condições da sociedade humana estão expressas pela pedra bruta, pela pedra lascada e pela pedra polida. A pedra bruta e a pedra lascada expressam nossa condição sob o governo. É bruta por causa da terrível desigualdade de condição, e lascada porque já não somos uma família e além disso nos encontramos divididos por diferenças de governo, de classe, de propriedade e de religião; mas quando nos vemos reunidos numa família nos vemos representados pela pedra polida. G é a Graça, a Estrela flamífera é a Tocha da Razão. Aqueles que possuem este conhecimento são certamente Illuminati... Illuminati? Koch esfregou o queixo com uma expressão pensativa. Era uma palavra latina ou italiana? Illuminati..., sim, claro, respondeu com um sorriso. Os iluminados! Só podia ser isso. Aqueles que têm a luz que não atinge a outros e que mostra os conhecimentos secretos são iluminados! Que coisa óbvia! Tinha custado a encontrar o significado, mas a culpa era desse pessoal. Empenhavam-se em ser tão retumbantes, tão pedantes, tão rebuscados que acabavam obscurecendo o trivial». In César Vidal, O Crime dos Illuminati, 1958, tradução de António Borges, Relume Dumará, Ediouro Publicações S.A., 2006, ISBN 857-316-6491-3.

Cortesia de RDumará/JDACT