sábado, 28 de novembro de 2015

Um Jovem Poeta na Tessália. A Pítica X de Píndaro. Luísa Nazaré Ferreira. «Feliz Lacedemónia bem-aventurada Tessália! Reina sobre ambas a raça de um só pai, a raça de Héracles, o melhor no combate. Será esta exaltação inoportuna? Mas Pito e Pelineu chamam-me…»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«Propõe-se neste artigo uma análise, seguida de tradução, da Pítica X, que é supostamente o epinício mais antigo do corpus de Píndaro. Pretende-se mostrar, principalmente, que esta ode de vitória, embora possa ter sido elaborada na juventude do poeta, exibe já as características formais e temáticas que distinguem a arte de compor do maior lírico grego».

«Um dos aspectos que caracterizam a actuação dos poetas gregos da Época Arcaica, em especial dos cultores de lírica coral, é a mobilidade, motivada principalmente pela participação nos numerosos festivais organizados por toda a Grécia e pelos muitos convites que recebiam dos patronos. Estes eram geralmente figuras políticas, elementos da aristocracia ou tiranos, como Periandro de Corinto, Polícrates de Samos, os Pisístratos de Atenas, os chefes da Tessália e os tiranos da Magna Grécia. Sobre esta questão, a Pítica X de Píndaro, que contém muitos outros pontos de interesse, constitui um excelente testemunho. Foi composta em honra de Hipócleas, jovem da aristocracia tessália, vencedor na corrida de duplo estádio na categoria de rapazes, no ano de 498 a.C., de acordo com a notícia dos escólios. A ser correcta esta informação, trata-se da ode mais antiga do corpus de Píndaro, que teria então cerca de vinte anos. Notável é também o facto de ter sido encomendada por Tórax, chefe de uma das famílias reais mais importantes da Tessália, os Alévadas da cidade de Larissa, que mais tarde combateriam ao lado de Mardónio na campanha de Plateias. Talvez esta opção política e militar explique por que razão não nos chegaram mais composições de Píndaro dedicadas a Tessálios, que acolheram outros poetas célebres, possivelmente Anacreonte de Teos, e decerto Simónides de Ceos, bem como o seu sobrinho Baquílides, sobretudo no período compreendido entre a expulsão de Hípias de Atenas, em 510 a.C., e o início das lutas contra os Persas em 490 a.C. Em 498 a.C., Simónides teria provavelmente mais de cinquenta anos. A Pítica X testemunha que o lírico de Tebas, com apenas vinte anos, era já suficientemente conhecido para despertar a atenção dos ricos e poderosos monarcas da Tessália.
A presente ode pode ter sido até um dos primeiros epinícios que Píndaro compôs a pedido de uma figura proeminente, pois quando o poeta elogia, na última antístrofe, a hospitalidade de Tórax, agradece também, em termos metafóricos, o incentivo que recebeu para elaborar o canto de vitória:

Tenho confiança na hospitalidade aprazível
de Tórax, aquele que zelando pela minha arte
atrelou esta quadriga das Piérides,
amando quem o ama, guiando quem de bom grado o guia.

Embora nem todos os estudiosos concordem com esta interpretação, julgamos que a metáfora quadriga das Piérides, inspirada no imaginário do atletismo, se refere às quatro tríades que compõem o canto de homenagem a Hipócleas. Ao contrário do que poderíamos pensar, se a juventude do poeta transparece, de facto, nalguns passos, designadamente no tratamento menos elaborado das reflexões morais e na construção da secção mitológica, e sobretudo no modo vivo como é exaltado o ideário aristocrático, no seu conjunto este epinício é tão extraordinário e singular como as obras da maturidade. De facto, já estão aqui presentes muitos dos traços formais e temáticos que distinguem o modo de compor de Píndaro. Um dos que nos parece mais interessante é o recurso a uma metáfora, neste caso a metáfora da viagem, que percorre toda a arquitectura da ode e estabelece a ligação entre os diversos elementos, ou seja, as referências ao destinatário, as reflexões morais e religiosas, as considerações sobre a arte do poeta e o mito. A este recurso alia-se um outro artifício expressivo, que seria retomado noutras odes com grande elaboração, como na Nemeia III. Trata-se da estratégia ficcional através da qual se anuncia o epinício como uma obra ainda em construção e que está presente neste epinício desde os primeiros versos:

Feliz Lacedemónia
bem-aventurada Tessália! Reina sobre ambas a raça de um só pai,
a raça de Héracles, o melhor no combate.
Será esta exaltação inoportuna? Mas Pito
e Pelineu chamam-me,
e os filhos de Alevas, que a Hipócleas desejam
levar o canto celebrativo e honroso dos homens.

O canto de vitória inicia-se em tom solene e exaltado, destacando-se, além da interrogação retórica, que chama a atenção para o modo enfático como o poeta toma a palavra, a escolha dos epítetos: chamar olbia, feliz, à Lacedemónia, e makaira, bem-aventurada, à Tessália, é aproximar estas terras do domínio do divino, ideia que se concretiza no momento seguinte, quando se evoca a ligação mítica que as unia, a figura de Héracles, que os Alévadas consideravam seu antepassado. Todavia, numa ode em que os valores aristocráticos estão muito presentes, a menção da Lacedemónia não pode ser alheia às afinidades políticas que aproximavam as duas regiões gregas». In Luísa Nazaré Ferreira, Um Jovem Poeta na Tessália, A Pítica X de Píndaro, Revista Humanitas, nº 63, Universidade de Coimbra, 2011.

Cortesia UCoimbra/RHumanitas/JDACT