quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Poemas de Amor. Jorge de Sena. «Será que um de nós morrerá quando formos tão velhos que para o outro não faz diferença nenhuma que aquele morra na velhice se vive na memória vaga?»

Cortesia de wikipedia

«Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor de teu encanto.

Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz de guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,

tão quase é coisa ou sucessão que passa…
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça»
22 de Fevereiro de 1954


«Rígidos seio de redondas, brancas,
frágeis e frescas inserções macias,
cinturas, coxas rodeando as ancas
em que se esconde o corredor dos dias;

torsos de finas, penugentas, frias,
enxutas linhas que nos rins se prendem,
sexos, testículos, que inertes pendem
de hirsutas liras, longas e vazias

da crepitante música tangida,
húmida e tersa, na sangrenta lida
que a inflamada ponta penetrante trila;

dedos e nádegas, e pernas, e dentes.
Assim, no jeito infiel de adolescentes,
a carne espera, incerta, mas tranquila».
27 de Fevereiro de 1954


«Quem diz de amor fazer que os actos não são belos
que sabe ou sonha de beleza? Quem
sente que suja ou é sujado por faze-los
que goza de si mesmo e com alguém?
Só não é belo o que não deseja
ou que nosso desejo mal responde.
E suja ou é sujado que não seja
feito do ardor que se não nega ou esconde.

Que gestos há mais belos que os do sexo?
Que corpo belo é menos belo em movimento?
E que mover-se um corpo no de um outro o amplexo
não é dos corpos o mais puro intento?

Olhos se fechem não para não ver
mas para o corpo ver o que eles não,
e no silêncio se ouça só o ranger
da carne que é da carne a só razão».
Janeiro 1971


«Não sei amor, se dado nos será
de envelhecer. Será que um de nós morrerá
quando formos tão velhos que para o outro
não faz diferença nenhuma que aquele morra
(na velhice se vive na memória vaga)?
Será que tantos anos de amargura,
suspeitas, frustrações, raivas e ódios,
tudo isso, tempestade, de que é feito o amor
que os burros não entendem, nos serão
acrescentados desse sonhar juntos
em silêncio, num sorriso (que se esquece
e mesmo nos lábios se ignora)?
Uma velhice que foi vida e será vida
porque foi vida com que nos comemos
quotidianamente um ao outro
vorazes como peixes no aquário
de vidro inamovível, tão opaco,
translúcido às vezes, transparente sempre,
que é o amor?»
11 de Junho de 1971

Poemas de Jorge de Sena, ‘Poemas de Amor

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