terça-feira, 1 de março de 2022

A Brisa do Oriente. Paloma Sanchez-Garnica. «O abade olhou para o estômago, ponto onde tinha escondido o tesouro, que agora formava um volume sob as suas roupas, como se se tratasse de uma protuberância do seu corpo»

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Constantinopla. Abril do ano de 1204

«(…) O abade pousou o olhar no cofre e pude ver, nos seus olhos, o brilho da avareza. Vamos levar esta peça para a nossa abadia, onde poderá ser venerada pelos peregrinos fiéis e assegurar o sustento do mosteiro durante muito tempo. Escondeu o cofre entre as suas vestes e saímos daquele lugar com a mesma pressa com que ali tínhamos chegado. Mal saímos do recinto, fomos interceptados por um cavaleiro montado num brioso corcel, que se pôs diante de nós, obrigando-nos a estacar, o cavalo ergueu-se sobre as patas traseiras e nós, assustados, recuámos vários passos. Aonde ides com tanta pressa?, indagou o cavaleiro, segurando as rédeas com firmeza enquanto controlava os movimentos do cavalo. Regressamos ao nosso barco. Já não temos nada a fazer aqui, respondeu o abade Martín, com firmeza. O cavaleiro remexeu-se sobre o seu animal inquieto, que volteava diante de nós com fulgor contido. Era um exemplar formidável, negro como azeviche, com a cabeça alta e fitas de seda de cores vivas entrelaçadas nas crinas. A sua pele brilhava sob aquele Sol de meio de tarde. O que viestes aqui fazer? O que levais escondido?

O abade olhou para o estômago, ponto onde tinha escondido o tesouro, que agora formava um volume sob as suas roupas, como se se tratasse de uma protuberância do seu corpo. Isto é...,balbuciou por um instante, tentando encontrar algo adequado para dizer, é um cálice sagrado. Apanhámo-lo do chão da igreja. Não podíamos permitir que os infiéis o profanassem… Instalou-se, por momentos, um silêncio tenso, interrompido apenas pelo resfolegar do cavalo e pelo bater repetido das suas patas no empedrado. O medo que o abade tinha de que aquele cavaleiro lhe arrebatasse o cofre para o acrescentar aos despojos de guerra mantinha-o alerta.

Mostrai-me o cálice! Se for um objecto valioso, terá de ser incluído nos despojos de guerra! Não querereis, certamente, deixar de cumprir o juramento que todos fizemos! Sou o abade Martín, reclamou o monge, com autoridade. O que levo entre as minhas roupas é uma peça que pertence apenas à Igreja; não um despojo de guerra que possa ser dividido entre homens. Quero ver o que levais!

Não!

O cavaleiro desembainhou a espada e ergueu-a no ar, enquanto segurava as rédeas do cavalo com a outra mão.

Me entregaréis lo que lleváis entre las ropas u os lo arrancaré con mi espada, monje estúpido, aquí soy yo quien da las órdenes. Mi corazón latía de temor al ver aquella escena. Bernardo y yo esperábamos el desenlace agarrados, con gesto despavorido, incapaces de reaccionar. Me preguntaba hasta qué punto estaría dispuesto a mantener su postura el abad, hasta dónde estaría dispuesto a llegar por aquella relíquia robada en su propio beneficio. Si lo queréis, tendréis que matarme. La tensión se hizo eterna. El caballero blandía su espada con gesto amenazante sin dejar de mirar el rostro impertérrito del abad, que sujetaba el bulto de su vientre con resuelta firmeza. Una voz hizo que todos nos girásemos. Roberto!, otro hombre a caballo se acercaba a nosotros. Tiró de las riendas con fuerza y el animal se detuvo en seco a escasos dos metros de mí, haciendo que diera un salto hacia un lado. Roberto de Saint-Po! Amigo mío. Creía que habías muerto. Estos infieles no podrán conmigo. El caballero que había interceptado nuestra salida se acercó al recién llegado. Ambos hombres chocaron sus manos y comenzaron a hablar entre ellos mientras mantenían sujetas las riendas de sus monturas. El abad hizo un ligero gesto y sin mirar hacia atrás iniciamos nuestro camino, alejándonos con el temor de que el bramido de sus voces nos hiciera detenernos; pero, por lo visto, habíamos dejado de ser de interés para ellos porque apenas se dieron cuenta de nuestra marcha, enfrascados en la conversación de su reencuentro». In Paloma Shanchez-Garnica, A Brisa do Oriente, 2009, tradução de Luís Coutinho, Saída de Emergência, 2012, ISBN 978-989-637-411-2, epublibre, La brisa de Oriente, 2009, editor digital x313n1o, ePub base r1.2, Proyec Scriptorium Ex-Libris.

 Cortesia SEmergência/JDACT

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