sábado, 5 de março de 2022

A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar. Hugo M. P. Calado. «Aqui predomina então o conceito de fronteira móvel, um espaço, ocupado por várias comunidades que se expandem, retraem ou contêm, consoante a sua capacidade de decisão e coesão»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia ao Mestre Hugo Calado

A Fronteira na Idade Média: Espaço de Separação ou Aproximação Populacional?

«(…) As questões de fronteira são algo ambíguas, pois normalmente vemos a palavra fronteira com possuindo um significado divisório, actualmente é uma linha estabelecida pela sociedade política com o objectivo de separar dois ou mais estados, duas ou mais regiões, e também os seus povos. A origem de uma fronteira reside no movimento próprio dos seres vivos, implicando a paragem por falta de condições vitais necessárias, ou então significa uma paragem perante um movimento contrário, e não uma linha fixa no tempo, como a concebemos hoje em dia. A fronteira é então móvel e artificial, a definição de fronteira, como uma linha político-administrativa de separação entre dois espaços geográficos, é um produto do homem e não tem enquadramento num contexto geográfico.

Muitas vezes existe uma continuidade física e natural dos territórios em termos geográficos, cujo fim desses mesmos espaços são determinados fisicamente pelos chamados confins naturais, onde a própria natureza determina o término de qualquer área geográfica que seja de características homogéneas, e mesmo assim só se consideram elementos de separação naturais quando ainda não foram tocados por qualquer grupo humano. Como elemento de separação, a fronteira é um modo encontrado pelo homem para reivindicar, de modo pacífico, direitos sobre determinado território, reivindicações essas que passaram do interior de determinados grupos sociais dentro de uma sociedade, para um contexto mais vasto, de grupos sociais mais numerosos, cuja separação necessitava de um acordo de divisão de território, surgindo assim a fronteira para dividir grupos, embora esses se possam sentir como integrantes de um todo mais abrangente, mesmo estando separados.

Cada conjunto populacional tinha o seu território, que deveria organizar, criando uma coesão interna, e o seu exclusivismo pode materializar-se em duas situações: a expansão, adquirindo mais território, surgindo a necessidade da sua defesa. Durante a Idade Média, a fronteira significava, não uma linha divisória entre dois estados, ideia historicamente algo recente, mas um espaço que poderia ter dimensões consideráveis em função da expansão ou retracção de um grupo em movimento, seja em processo de conquista, obtendo mais território para esse grupo, cujas necessidades de acrescentamento à sua unidade territorial podem ser de várias ordens, como melhores terrenos agrícolas, metais preciosos, uma imposição expansionista em relação a outro grupo menos forte economicamente ou militarmente, e também menos coeso.

Aqui predomina então o conceito de fronteira móvel, um espaço, ocupado por várias comunidades que se expandem, retraem ou contêm, consoante a sua capacidade de decisão e coesão. A necessidade de expansão surge com outra necessidade, a de um espaço vital, cujo avanço em determinada direcção necessitava de uma capacidade demográfica considerável para criar um grupo (ou vários) de colonos-soldados, que deveriam ocupar o espaço deixado vago pelos antigos ocupantes, após a retirada destes últimos. No Portugal Medieval, mais concretamente no espaço da reconquista cristã peninsular dos séculos XII-XIII, a fronteira era enquadrável no conceito de marca, um espaço divisório e indefinido entre dois grupos humanos (Islão/Cristandade), que recebe influências dos mesmos corpos sociais que divide, embora também se aproxime deles, pois pode ser gerido politicamente a partir do exterior». In Hugo Miguel Pinto Calado, A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar, O Castelo de Noudar e a Defesa do Património Nacional, Tese de Mestrado em História Regional e Local, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, 2007.

Cortesia da UL/FL/DHistória/JDACT

JDACT, Hugo M. P. Calado, Cultura e Conhecimento, História, Alentejo,