domingo, 6 de março de 2022

Hugo M. P. Calado. A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar. «Estes contactos de fronteira desenvolveriam um bi-linguismo, em que os integrantes da marca aprenderiam a falar como aqueles com quem contactavam, o que facilitaria a comunicação…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia ao Mestre Hugo Calado

A Fronteira na Idade Média: Espaço de Separação ou Aproximação Populacional?

«(…) A marca era um território onde se estacionavam comunidades, que por iniciativa régia, cuja actividade guerreira era objectivo principal, defendendo o território de rectaguarda, ou pelo menos sustendo uma investida inimiga. Eram então comunidades em risco permanente, grupos populacionais que habitavam um espaço organizado e absorviam os ataques inimigos. Estamos a falar de um espaço que, recebendo influência de duas comunidades humanas distintas que separava, poderia adquirir características próprias de individualização, face aos blocos em confronto. A fronteira Islão/Cristandade era um espaço territorial e social que poderia englobar indivíduos de religiões, sociedades e civilizações diferentes, formando uma sociedade de fronteira bastante heterogénea, onde só se conseguem conhecer, com alguma clareza, as elites, grupos sociais que viviam na sua maioria em centros urbanos, onde estariam concentradas as principais actividades industriais, comerciais e administrativas.

As informações dos achados arqueológicos, nomeadamente os de carácter epigráfico, podem ser aqui um bom fornecedor de informações, embora seja maioritariamente em centros populacionais de alguma importância que se concentram os maiores núcleos de epígrafes funerárias, estruturas feitas em mármore, embora também estejam espalhadas um pouco por todo o sul de Portugal. Já nos locais rurais, como Noudar, a construção de epígrafes seria em material mais modesto, devido aos elevados custos de outros materiais, nomeadamente o mármore, que não era barato nem acessível a todos.

A marca era ainda um espaço de um grupo social que utilizava conhecimentos adquiridos em contextos específicos, nomeadamente a guerra. São populações de fronteira que estão habituadas aos rigores de um espaço que tem influências de duas comunidades beligerantes, e que se batem pela conquista e povoamento daquele território que não possuía uma integração territorial segura e jurisdicional do ponto de vista administrativo, sob uma das monarquias conquistadoras. Os conhecimentos adquiridos pelas pessoas que habitam estas áreas são mesmo requisitados pelos diversos blocos político-militares em confronto, servindo como informação de preparação contra incursões de ambos os lados, em busca de saque através de ataques rápidos. Como tal, muitas dessas populações são pessoas que se distinguem das outras comunidades integrantes na dicotomia peninsular Islão/Cristandade, sendo vistas como muito úteis para determinados propósitos guerreiros.

Estes contactos de fronteira desenvolveriam um bi-linguismo, em que os integrantes da marca aprenderiam a falar como aqueles com quem contactavam, o que facilitaria a comunicação entre grupos diferenciados numa sociedade tão heterogénea como uma comunidade de fronteira na reconquista peninsular. Na dinâmica da reconquista portuguesa, o povoamento e sua promoção, com o objectivo do alargamento do território conquistado e entretanto ocupado, é uma das principais preocupações dos monarcas da nossa primeira dinastia, pois com o alargamento das fronteiras, a sua continuidade dos territórios conquistados nas mãos de quem os adquiriu depende do (re)povoamento dos mesmos, onde as regiões fronteiriças têm um papel de destaque. A importância dada a comunidades de fronteira é então primordial, pois são estas comunidades são o suporte da manutenção das fronteiras conquistadas e do seu alargamento». In Hugo Miguel Pinto Calado, A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar, O Castelo de Noudar e a Defesa do Património Nacional, Tese de Mestrado em História Regional e Local, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, 2007.

 Cortesia da UL/FL/DHistória/JDACT

JDACT, Hugo M. P. Calado, Cultura e Conhecimento, História, Alentejo,