sábado, 26 de março de 2022

Teresa Medeiros. A Conquistadora. «Quando o Sol nasceu na manhã seguinte, Conn e Silent Thunder seguiam já rumo ao norte. O dia amanhecera com uma brisa quente do sul a afagar-lhe as feições, como se quisesse apagar as rugas de preocupação gravadas na sua testa»

 

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«(…) A chuva caía e a Lua começava a sua lenta descida quando chegou a uma clareira e desmontou. A maçã que trazia na mochila foi parar à boca do cavalo e Conn sorriu pela primeira vez desde que deixou a fortaleza. Silent Thunder atravessara o oceano no porão de um navio de carga para se tornar o seu cavalo de batalha. Passou as mãos pelo negro acetinado da garupa do animal. Nem uma mancha a estragar a solidez da sua beleza. Enrolou as rédeas num arbusto e deixou-o pastar. Sacudindo a chuva do cabelo, vagueou pela floresta recolhendo ramos e folhagem suficientes para proteger a sua pessoa e a fogueira da água que caía obstinada. Estendeu as mãos para as chamas, a fim de aquecê-las, e pensou que seria bom ter ali Nimbus para quebrar o silêncio. Memórias de outras florestas acumularam-se em seu redor; o calor de outras fogueiras aqueceu as suas mãos. Os espíritos dos cinco mortos rodearam-no, rindo e tagarelando, planeando batalhas futuras. Durante uma fracção de segundo, o seu nariz detectou o aroma de carne de veado assado ao ar livre. Pôs-se de pé, amaldiçoando as suas fantasias. Pareceu-lhe que a floresta se agitava à sua volta e voltou a sentar-se perguntando a si mesmo se dormir ia ser difícil ou impossível. Com os dedos tensos esfregou um bocado de queijo num naco de pão. O fogo da sua ira ardia demasiado fundo para dar espaço ao medo. Desmascararia o assassino encapuzado, dar-lhe-ei uma morte impiedosa. Embrulhou-se na capa e preparou-se para dormir. No dia seguinte àquela hora alcançaria a gruta. Tinha de estar em forma. Mergulhou no abismo de um sono felizmente desprovido de sonhos.

Quando o Sol nasceu na manhã seguinte, Conn e Silent Thunder seguiam já rumo ao norte. O dia amanhecera com uma brisa quente do sul a afagar-lhe as feições, como se quisesse apagar as rugas de preocupação gravadas na sua testa. Cotovias e andorinhas cantavam num céu da cor do azul delicado de um ovo de tordo. De vez em quando uma nuvem, branca e felpuda como o ventre de um cordeiro após o nascimento, atravessava devagar a sua tela serena. À medida que avançava para norte, o terreno tornava-se mais montanhoso, e sob os cascos do cavalo o tapete verde-esmeralda dava lugar a pedras e arbustos raquíticos.

O Sol surgiu com a forma de uma gloriosa bola laranja por detrás do horizonte ocidental, tão diferente da despedida mal-humorada da tarde anterior. Tinham chegado às colinas. Os contrafortes eram íngremes, mas seguiam até aos montes e planícies que rodeavam a enevoada montanha de Tara. A escuridão envolveu a paisagem. Conn acendeu uma tocha para iluminar o caminho. Pedras traiçoeiras espalhavam-se pelo chão, dispostas a fazer qualquer cavalo tombar. Os olhos de Conn mal discerniam as reentrâncias obscurecidas nos rochedos onde ele sabia que se escondiam pequenas grutas. Pelos seus cálculos, a gruta maior que procurava devia ficar a menos de uma légua de distância. Um fio de suor escorreu-lhe pela nuca. Parou Silent Thunder, fechou os olhos e entregou-se aos seus pensamentos. Um jovem desesperado por se juntar ao Fianna fizera aquele mesmo percurso para conquistar a criatura que já tinha dado a três membros do grupo mortes sangrentas. Foi o único a voltar. A sua descrição histérica de um gigante envolto numa capa que retirou no último minuto a ponta da espada da sua garganta apavorada e a libertá-lo não tardou a chegar aos ouvidos de Conn. Justamente o que a fera pretendia, pensou com amargura. Ainda de olhos fechados, tentou imaginar o rosto de cada um dos homens que morreu naquela gruta. Cinco valorosos guerreiros desaparecidos, deixando em suas mãos a tarefa de vingar o seu sangue». In Teresa Medeiros, A Conquistadora, 1998, Planeta Manuscrito, Grupo Planeta, 2010, 2014, ISBN 978-989-657-517-5.

Cortesia de PManuscrito/Gplaneta/JDACT

JDACT, Teresa Medeiros, Literatura, Irlanda,