sábado, 27 de julho de 2013

As Magias. Herberto Helder. «Pela tempestade vermelha que sopra possas tu chegar, possas chegar com as mãos cheias de preciosas pedras vermelhas, vestido de bárbaros couros vermelhos possas tu chegar»

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Iniji
[…]
tão esmagadores bárbaros, tão vociferantes,
e nós tão nenúfar
tão espiga ao vento
tão longe do cortejo
tão mal na cerimónia
tão pouco da nossa idade e tanto a passear

tão farinha
tão peneirada
e sempre na peneira

asas de morcego
batendo sempre contra a cara

Quem agora há-de aportar à ilha?

As formas fogem em farrapos
mergulham, alongam-se, deformam-se
luas nos bordos de uma nuvem negra.

Tiram-se as luvas cheias de sangue
tira-se a camisa cheia de sangue

Silêncio
silêncio
Deixai-me nadar pelas paredes fora

Ouço murmúrios que me chamam
Éele. É o momento.
Enfim!

Espelhos recolhem-nos
Espelhos trocam-nos
a perdida deste mundo, a morte do outro mundo

Deixai-nos
um rosto de têmporas raiadas de veias

Outrora,
outrora
o rio de júbilo não tinha o leito ressequido

Iniji não vivia ainda atrás das portas de chumbo
Não acontecera ainda.

Estes esgares à minha roda
sempre sempre
que desejam eles?

Papéis sempre sempre redistribuídos
perdizes, folhas, loucas

Vapor
apenas vapor
pode acaso o vapor voltar a ser migração?

o fio passa
repassa

fio sem fim a fiar-se
casulo que me enclausura

Ah! O Juízo
sofrida sentença semelhante à síncope

vagas fustigantes
dedos aduncos
tudo são tormentos para a órfã

Iniji hóspeda efemera das covas,
pais, pinças, palavras

Eis a estrada longínqua que não vem de volta.

Dorme o seio de onde jorrou o leite.
Apagou-se o contorno... e a opala...
Ficou a sombra só o suspiro dos lábios

Vem, vem, vento de Aúrraú
tu, vem!

Poema de Henri Michaux

In As Magias, Herberto Helder, Poemas mudados para Português, Assírio & Alvim, edição 0257, 2010, ISBN 978-972-37-0086-2.

Cortesia de Assírio e Alvim/JDACT