terça-feira, 9 de julho de 2013

O Príncipe Constante. Pedro Calderón de la Barca. O Infante Santo. Maria Idalina Rodrigues. «Assi escrevio al Rey su hermano que diese orde como salliese de aquella vida tan miserable, [...] no lo tuuo por bie, que acudiese o cõ dinero, o por otro camino a rescatarlo. Pero aduirtiose que en ninguna manera passase por lo que su hermano el Infante don Enrique…»

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Com Camões na encruzilhada
«(…) Em 1573, Mármol Carvajal, na sua Descripción General de Africa, Libro IV, apesar de razoavelmente informado (conheceria a versão de Rui de Pina?) quanto às circunstâncias da restituição do seu corpo aos portugueses (de troca pela mulher, pela filha e, não sabia ao certo, se também por um filho) de Muley Xeque, apresenta o Infante Fernando como o autêntico responsável pela expedição a Tânger e, o que mais nos importa, igualmente como acalorado resistente à devolução de Ceuta:
  • Y como despues el propio Infante fuesse en que no se entregase aquella frontera a los Moros quiriendo mas morir en captiuerio que ver a los Christianos desapoderados de ella, el Rey de Fez le hizo tantos malos tratamientos teniendole aprisionado en una mazmorra y haciendole almohaçar cauallos que vino a enfermar y murio.
Entre frei João Álvares e frei Jerónimo Ramos, nem milagres, nem visões, depois de Camões, nada de comparações elogiativas com grandes patriotas, mas, isso sim, auto-sacrifício e suas justificadas razões, entre as quais a preservação de uma fé que por si mesma se sustentava sem alarde. Alguns anos passarão até que, em 1585, outros elementos serão carreados na Relación del Origen y Suceso de los Xarifes, de Diego de Torres; sem deixar de insistir na liderança do Infante, o autor traz a informação de uma primeira fase de bom acolhimento em Fez (o rei mouro siempre tratou al Infante manificamente, antes de ser por ele agressivamente defendida a recusa de Ceuta), conserva a mais credível variante da recuperação dos restos mortais e exalta com algum pormenor o milagre da cura de um cego, perseverando, no entanto, a graça de Deus, como principal motor do favorecimento. No que aos padecimentos se refere, defende persistentemente a atitude de voluntário sacrifício, negando que alguma vez Fernando tivesse posto a hipótese da permuta de Ceuta:
  • Jamas lo consentio, diciendo que Dios nunca quisiese que fuerça que tanta sangre de Cristianos avia costado y tanto importava al bien de la Cristiandad, él fuese suelto por ella, y assi se quedó en poder de aquel infiel.
Pontos de contacto, evidentemente; insistamos na inquebrantável fé, postura que, de ora avante, não deixaremos de encontrar sublinhada. Será, de facto, a conotação religiosa (admitamos que, ao menos em parte, legada, pelo Trautado e pela Chronica) que, à medida que os anos correm e a fama do Infante vai crescendo e recebendo mais afectivos contornos, simultaneamente se vai recheando de visitas do sobrenatural; porque, se é verdade que o aparecimento da Virgem, de São Miguel e de São João ao desditoso prisioneiro vinha já do relato de João Álvares, e se, sobre milagres, algo também sabíamos há muito, será na Historia y Vida del Religioso Infante Don Fernando, de Jerónimo Román, que mais empoladamente de muitos extraordinários sucessos se retiram direccionadas conclusões. E com isso nos não admiramos, confrontamo-nos com uma biografia, com uma forte tendência digressiva de um escritor e com uma intenção bem expressa, desde o prólogo, de fazer frente aos novos hereges, com o recurso a materiais (nomeadamente da Torre do Tombo) que ainda não tinham sido devidamente examinados.
O que, porém, mais agradavelmente nos surpreende, recuando o olhar até Camões e antevendo já Calderón, é talvez o enlace feito por Román entre o santo e o guerreiro, o religioso e o patriota, abertamente se recuperando o motivo de Régulo que nos não era estranho, mas quase tínhamos posto de lado, sem prejuízo, antes com redobrado panegírico do fervor religioso de um cristão que não deixava de conhecer a fragilidade humana.
Alguns passos do texto são, quanto a isto, particularmente elucidativos e precisos; o Infante não recusa a libertação, mas nunca a aceitará à custa de Ceuta:
  • Assi escrevio al Rey su hermano que diese orde como salliese de aquella vida tan miserable, la qual el huuiera holgado de auer perdido cuando en el campo peleauan, mas pues Dios no lo tuuo por bie, que acudiese o cõ dinero, o por otro camino a rescatarlo. Pero aduirtiose que en ninguna manera passase por lo que su hermano el Infante don Enrique el y los demas auian tratado sobre el restituirse a Ceuta, porque de mas importancia era a la Christiandad que se conseruasse aquella fuerça y ciudad para honra del nombre de Christo que no que fuese rescatado un hombre particular, y que no era Rey, porque dandose la ciudad, quedaua hecha morada de los demonios y poblada de moradores del infierno. (…) quiso antes quedar preso y captiuo y morir que no se perdiese una ciudad de Christianos y se entregase a los Moros.
Mais claro não pode ser-se quanto ao voluntariado da decisão. Como mais claro não pode ser-se quanto à aferição da atitude de Fernando pela de Régulo, ainda mais digno do que o patriota romano de ficar na memória dos homens:
  • Pues si esta gloria deran a aquel Romano, porque antepuso la honra de su ciudad, a su uida y libertad, porque no sera con mayor razón, illustrada la memoria de un Cathólico Príncipe, que por la gloria de Dios y honra de su fee, y ensalçamiento de su nombre, quiso quedar preso y morir porque los demas quedasen libres. »
In Maria Idalina Rodrigues, Do Muito Vertuoso Senhor Ifante Dom Fernando a El Príncipe Constante, Via Spiritus 10, 2003.

Cortesia de Via Spiritus/JDACT