quinta-feira, 11 de julho de 2013

Duas Estratégias Divergentes na Busca das Índias. D. João II vs Colombo. José M. Garcia. «… da troca de correspondência entre o cónego de Lisboa e o sábio florentino é necessário insistir no facto de tal realização se situar na conjuntura que foi marcada pela nomeação do príncipe João para uma tão grande responsabilidade…»

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O início do governo ultramarino do príncipe João e a carta de Toscanelli
«(…) Afigura-se-nos natural que João questionasse sobre essa matéria os poucos homens cultos e interessados em questões de cosmografia que então havia em Portugal, entre os quais se contava Fernando Martins. Este, por sua vez, lembrou-se da conversação que tivera em Florença em 1459 com Toscanelli sobre questões geográficas em torno de um mapa, pelo que, sendo este um dos mais reputados especialistas em assuntos de cosmografia, achou por bem solicitar-lhe um parecer sobre as matérias que então estavam de novo a ser discutidas em Portugal. A formulação deste pedido neste contexto está subjacente à resposta que então Toscanelli lhe enviou, pois só assim ganha sentido ter sido emitido precisamente neste período de 1474 em que a nova administração das explorações ultramarinas desejava dar continuidade ao progresso dos Descobrimentos no sentido de atingir terras onde havia especiarias.
É ainda de observar neste contexto que desde 1473 o príncipe João tinha ao seu serviço como escrivão da puridade, chanceler-mor e vedor da fazenda um letrado eminente como era o doutor João Fernandes Silveira, que seria o primeiro barão do Alvito desde 27 de Abril de 1475, que, como já vimos, enquanto embaixador de Afonso V na Itália fora o responsável em 1456 pela encomenda do mapa-mundo a Fra Mauro feita em Veneza.
Para enquadrar e iluminar a razão de ser da troca de correspondência entre o cónego de Lisboa e o sábio florentino é necessário insistir no facto de tal realização se situar na conjuntura que foi marcada pela nomeação do príncipe João para uma tão grande responsabilidade como era a de continuar os descobrimentos portugueses. Nessa altura tinham terminado as explorações sob a alçada do contrato de Fernão Gomes, tendo os seus navegadores chegado ao cabo de Santa Catarina um pouco ao sul do equador, tendo assim ficado descoberto todo o golfo da Guiné. Perante estes dados e na iminência de começar uma nova fase na História dos Descobrimentos compreende-se o sentido da interrogação dirigida por Fernando Martins a Toscanelli e da proposta que este avançou aos portugueses sobre a melhor forma de chegar aos lugares da especiaria.
Toda esta problemática é suscetível de ser equacionada graças ao acto de Colombo que ao contactar com a carta e o mapa de Toscanelli os copiou e assumiu a vontade de querer concretizar a aliciante proposta neles contida, sendo aparentemente simples de realizar, apesar de os portugueses não a rerem seguido. Nas fontes portuguesas este debate apenas ficou assinalado na referência feita por Duarte Pacheco Pereira no texto de 1505 que atrás assinalámos.

A busca de ilhas perdidas e o mapa perdido de Toscanelli
Toscanelli, ao indicar a rota que os portugueses deveriam seguir para ocidente e no sentido de os entusiasmar e facilitar a viagem a realizar, aludiu à importância que nela poderia ser a ilha denominada Antilia, sugerindo mesmo que por eles era conhecida e se situava no caminho para a ilha Cipango (Japão) mencionada por Marco Polo. É um facto que os portugueses acreditavam na possibilidade da existência dessa Antilia ou ilha das Sete Cidades, como lhe chamavam, mas a verdade também é que não a conseguiram localizar.
A Antilia, que desde a década de 40 do século XV foi procurada pelos portugueses no Atlântico, nunca chegou a ser reconhecida porque estes não ousaram avançar o suficiente para ocidente de forma a conseguir encontrá-la. Algumas das pesquisas que desde 1474 se tentaram realizar para a identificar poderão estar relacionadas com o parecer de Toscanelli, apesar de este nunca ter sido evocado.
As lendas medievais sobre a existência de ilhas atlânticas suscitaram projectos de exploração de portugueses e outros europeus que se lhes associaram no sentido de descobrir tais ilhas, mas todas as intenções de as descobrir vieram a frustrar-se, até que Colombo em 1492 conseguiu descobrir um arquipélago que ficaria conhecido por Antilhas, nome que já está assinalado no chamado mapa de Cantino, de 1502, dando assim corpo à mítica Antilia e desmentindo a chegada à sua ansiada Cipango.
A partir de 1462 foram passados numerosos documentos em Portugal com promessas de doações de ilhas, sendo dois deles datados deste ano, num dos quais se referiam expressamente mapas com ilhas míticas. No reinado de Afonso V conhecem-se outras cartas reveladoras do interesse em encontrar ilhas atlânticas no período de 1473 a 1475, sendo do primeiro destes anos a promessa de doação de ilhas a descobrir feitas em 1473 respectivamente aos filhos de D. Beatriz (12 de Janeiro) e a Rui Gonçalves Câmara (21 de Junho), enquanto nos anos seguintes o foram a Fernão Teles (1474 e 1475). Esta última personalidade recebeu a 28 de Janeiro de 1474 a doação das ilhas que descobrisse no mar oceano, na mesma data em que foi nomeado para as funções de governador da casa da infanta D. Joana, filha do monarca». In José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.

Cortesia de Quidnovi/JDACT