sábado, 6 de julho de 2013

Rainha. D. Mafalda de Mouriana. 1133?-1158. Maria Alegria Marques. «… o rei Afonso [Henriques] de Portugal teve um filho, Fernando Afonso, com ‘D. Châmoa Gomes’, de Pombeiro, viúva e, ao que é dito, sendo monja do mosteiro de Vairão. ‘Châmoa Gomes’ era membro da mais relevante nobreza galaico-portucalense…»

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O rei e o reino
«(…) Por certo que ao chegar a Portugal Mafalda de Sabóia haveria de ouvir falar da recente razia de Soure (1144), ali bem perto da Coimbra que seu marido tinha escolhido para local de seu paço e onde decorriam obras em que punha tantas esperanças e cabedais, como o Mosteiro de Santa Cruz e a catedral. Do mesmo modo, não lhe ficaria desconhecida a sorte de Martinho, presbítero de Soure, levado em cativeiro para Córdova, onde acabaria por falecer. Nos comentários e reflexões que ouviria acerca da sorte das terras e das armas cristãs e das estratégias a adoptar, tomaria consciência de que o destino de Soure não era caso único. Um outro, o de Leiria, também por essas paragens a sul de Coimbra, seria, temo-lo por certo, alvo das preocupações dos fiéis da corte, fossem guerreiros ou não. Afinal, sempre estava em causa a vida e a obra de gentes cristãs e, o que talvez não fosse de somenos, a segurança de um território, na rectaguarda, que havia que defender a todo o custo. Mafalda tomaria conhecimento da estratégia que representava a concessão de cartas de foral, tão recente ela era ainda no caso de Leiria (1142).
Não lhe passaria despercebida a atenção de seu marido relativamente aos Templários e ao papel que eles representavam para essa mesma estratégia relativamente à segurança do território. E, por último, estamos em crer que nem os problemas que Santarém e Lisboa, ainda em poder muçulmano, representavam para o jovem reino de Portugal lhe seriam estranhos. Não tinha sido, afinal, o seu casamento fruto também de amplas conversações onde, por certo, esses problemas teriam estado também presentes?

O casamento do primeiro rei de Portugal
Afonso Henriques era um homem bem maduro quando, a seu lado, nos seus documentos, nos surge a referência a sua mulher, D. Mafalda. E ia já, longo o seu governo à frente dos destinos da terra de Portugal. De 24 de Junho de 1128, data da Batalha de São Mamede, a 23 de Maio de 1146, data do primeiro documento que nos testemunha o novo estado civil do rei de Portugal, passavam dezoito longos anos, repletos de acontecimentos significativos para a afirmação do rei dos Portugueses e da terra de Portugal. Não temos forma de saber a razão do adiamento do casamento do primeiro rei de Portugal. Mas não resta dúvida de que, para a época e os seus costumes, a sua idade era já avançada para tal acontecimento. No entanto, sempre poderemos questionar o alcance da notícia que nos chegou transmitida pelo Livro velho de linhagens, de finais do século XIII, segundo a qual o rei Afonso [Henriques] de Portugal teve um filho, Fernando Afonso, com D. Châmoa Gomes, de Pombeiro, viúva e, ao que é dito, sendo monja do mosteiro de Vairão. Châmoa Gomes era membro da mais relevante nobreza galaico-portucalense, pois sua mãe era filha do conde Gomes Nunes, dito de Pombeiro, nos livros de linhagens, e da condessa Elvira Peres, filha do conde Pedro Froilaz, aio do imperador Afonso VII. Não foi o único filho de tal senhora, pois que os teve de seu marido, Paio Soares, da Maia, nem, muito menos, o único em drudaria, isto é, em situação irregular. O nascimento de Fernando Afonso, o fruto desta ligação do rei de Portugal, deve poder situar-se pela década de 1130, pois que ele subscreve documentação de seu pai desde 1159 e viria a ser seu alferes entre 1169 e 1172. Mas não se vislumbra o tipo de relação que o rei manteve com Châmoa Gomes: acidental? Efémera?
Ou, bem pelo contrário, seria coisa firme, significativa? Nesta última hipótese, por que razão terminou (se terminou...) ou, pelo menos, não se tornou oficial? Alguém teria desviado Afonso Henriques desses amores? Significará porventura tal afastamento um sinal de forças nobiliárquicas diferentes (senão antagónicas) ao lado do rei de Portugal? Neste cenário, não pode deixar de se ter presente todo o percurso de vida do pai de Châmoa Gomes, ora ao lado de forças da Galiza ou de Castela, ora de Portugal; talvez, esta instabilidade (no mínimo...) não fosse bem vista por aqueles que mais permanentemente se mantiveram fiéis a Afonso Henriques. Ou, muito simplesmente, tudo terminou porque Châmoa Gomes faleceu? Por uma outra via, analisando o círculo próximo de Afonso Henriques, deve assinalar-se que Pedro Pais, da Maia, conhecido por o alferes, precisamente por o ter sido ao serviço do primeiro rei de Portugal, desde o final do ano de 1147, e até ao recontro de Badajoz, em 1169, era um dos dois filhos legítimos conhecidos de Châmoa Gomes. Se é certo que a prosápia do pai, da família da Maia, era bastante para justificar este cargo, não deixa de ser interessante notar a filiação materna deste oficial de Afonso Henriques, bem como o tempo em que entrou ao seu serviço. Contudo, mais que elementos comuns, sublinhe-se, em conclusão, que, na matéria desta ligação do rei de Portugal, se avolumam muito mais as questões a que não sabemos responder pese embora o interesse de algumas delas.

Regressados ao tema do casamento tardio do rei de Portugal, não se questiona também a necessidade de um herdeiro para o rei de Portugal; todas as monarquias o exigiam e a portuguesa, então nascente, não era excepção. É certo que essa autonomia era uma incógnita em si mesma; nascida de um acto de rebeldia, interna e externa, exigia-se-lhe em primeiro lugar que se afirmasse, para assim se viabilizar; só depois haveria mister de se prolongar no tempo, através de um herdeiro».

In As Primeiras Rainhas, Maria Alegria Fernandes Marques, Mafalda de Mouriana, 1133?-1158, Círculo de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4703-8.

Cortesia de C. de Leitores/JDACT