segunda-feira, 8 de julho de 2013

D. Maria. 1521-1577. Uma Infanta no Portugal de Quinhentos. Paulo D. Braga. «Foram os casos de André de Resende, que, cerca de 1545, a disse de rosto formosíssimo; de Jorge Ferreira Vasconcelos, que a viu num torneio realizado em 1552 e lhe chamou formosa Minerva [...] assim em rara gentileza e subtil engenho, como toda outra sobre-humana perfeição de Brantôme, que a conheceu em 1564…»

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Uma Infanta na Historiografia
«(…) Baseando-se praticamente só em frei Miguel Pacheco e em Carolina Michaëlis Vasconcelos, foram as páginas assinadas por Olga Morais Sarmento (1909), conde de Sabugosa (1912), António Santos Carreta Cotta (1924), Teresa Leitão Barros (1924 e 1949), Berta Leite (1940) e Maria Augusta Forjaz Trigueiros (1943).
Entretanto, mais inovadores foram trabalhos de Anselmo Braancamp Freire (1919), José Figueiredo (1927), Domingos Maurício (1933), Carlos Cunha Coutinho (1936), Jean-Baptiste Aquaronne (1940), José Castro (1942) e Durval Pires Lima (1946).
Esclareceram aspectos diversos da biografia da infanta D. Maria, chamaram a atenção para problemas ou forneceram dados documentais insuspeitados.
Joaquim Veríssimo Serrão, com uma das suas teses de doutoramento, a que defendeu em Toulouse em 1953 e publicou em Lisboa dois anos depois, representou outro marco na historiografia sobre a filha mais nova de Manuel I, se bem que centrada na questão do património da mesma em França.
Nos últimos 50 anos, vieram à luz contribuições parcelares, tão diferentes como as de Alexandre Lucena Vale (1962, 1964 e1970), Américo Costa Ramalho (1985-1986 e 1995), Gabriel Paiva Domingues (1975), António Oliveira (1992), Mónica Anunciata Duarte Almeida (1997), Maria Fátima Reis (2007). Mais importante foi, em 1998, o livro de Carla Alferes Pinto, cujo texto já era conhecido há seis anos, ainda que por um público mais restrito, quando foi apresentado no contexto de uma prova académica. Tendo como objectivo o estudo do mecenato de D. Maria, acabou por ter um outro mérito, o de colocar ou recolocar questões tocantes à biografia da infanta.
A filha de Manuel I e D. Leonor tem surgido ainda em páginas de historiadores que não tinham, contudo, a sua figura como objectivo último. São os casos de Maria Rosário Themudo Barata (1992), Isabel Drumond Braga (2001), Ana Isabel Buescu (2005 e 2007) e Maria Augusta Lima Cruz (2006). Os dados que revelaram ou recordaram e as interpretações que fizeram de alguns aspectos da biografia da infanta são de inestimável interesse e utilidade.
Por último, acrescente-se que D. Maria, que, surgira já em entradas biográficas de dicionários e enciclopédias, tem igualmente continuado, em anos mais recentes, a merecer a atenção de divulgadores de temas históricos.

Um Retrato. Traços Físicos e psicológicos
Os homens do século XVI, propensos por natureza a adular as figuras reais e detentores de critérios de beleza diversos dos da actualidade, consideraram a infanta D. Maria uma mulher bela. Foram os casos de André de Resende, que, cerca de 1545, a disse de rosto formosíssimo; de Jorge Ferreira Vasconcelos, que a viu num torneio realizado em 1552 e lhe chamou formosa Minerva [...] assim em rara gentileza e subtil engenho, como toda outra sobre-humana perfeição de Brantôme, que a conheceu em 1564, e a considerou grande en tout, além de une très-belle et agréable fille, de bonne grâce, de belle apparance, douce, agréable; deJean Nicot, embaixador de França, por ela recebido em 1569, e que, em missiva a Catarina de Médicis, regente da França em nome de Francisco II, a classificou como une belle princesse; e ainda de Giovanni Batista Venturino Fabriano, relator da viagem do cardeal Alexandrino que, em 1571, se lhe referiu como robusta e formosa, além de alta. Segundo o mesmo, aparentava ter menos do que 50 anos. Um século mais tarde, alguém que a não conheceu, frei Miguel Pacheco, escreveu: fue ella de singular hermosura. Em tempos mais recentes, os juízos alteraram-se. Se, para Carolina Michaëlis Vasconcelos, D. Maria era detentora de formusura suavissima, já outro autor, José Figueiredo, notou que o nariz em nada a beneficiava. Por seu turno, Júlio Dantas salientou os exofrlamos e o lábio austro-borgonhês, hipertrofiado, de que já a mãe se orgulhava, em Dijon, ao fazer abrir os túmulos dos duques de Borgonha.
Perante tudo o que fica exposto, bem como pela observação dos retratos de D. Maria, talvez seja possível concluir que a infanta esteve longe de ser bela. Terá sido uma mulher alta, de tez branca, cabelos entre o castanho claro e o louro escuro, o rosto ovalado, a testa alta, os olhos claros, alguma exoftalmia, o nariz ligeiramente grande e os lábios um pouco grossos, típicos dos Habsburgos.
Conhecem-se vários quadros contemporâneos representando D. Maria, ao mesmo tempo que se sabe de outros que, tendo existido, não chegaram até nós. Em 1541 ou 1542, o pintor francês Antoine Trouvéon, enviado a Portugal pela rainha D. Leonor, terá feito um desenho a carvão sobre papel. É uma das suas representações iconográficas mais conhecidas, tendo servido de base a-uma nota de banco que circulou em Portugal no século passado. Pode ser admirado no Musée Condé, em Chantilly (França).

Pela mesma época, Francisco Holanda fez um retrato da infanta que desapareceu. Idêntico destino teve um outro quadro do mesmo autor, datável entre 1541 e 1545, mas que foi copiado no século XVII, destinando-se à Irmandade das Escravas do Santíssimo Sacramento. De 1552, há um óleo sobre tela da autoria de Anthonis Mor Van Dashors, pintor que na Península Ibérica foi geralmente conhecido como António Moro. O mesmo terá sido elaborado para quem estava então para casar com D. Maria, o futuro Filipe II. Este, provavelmente ofereceu-o depois a uma das irmãs, a princesa D. Joana, mãe de Sebastião I. Está hoje no Convento das Descalças Reais, em Madrid. A infanta surge sentada e coberta de jóias, exibindo um leque e um par de luvas.
O retrato de Anthonis Mor foi várias vezes copiado: a primeira, em 1552 ou 1553, por Alonso Sanchez Coello, para Maria da Hungria, tia materna da infanta. O mesmo integrou depois a colecção de Filipe II, mas não chegou aos nossos dias, tendo provavelmente desaparecido no incêndio do Palácio do Pardo, ocorrido em 1604. Ainda nos anos 50 de Quinhentos, nova cópia foi feita, provavelmente por Francisco Holanda. Desta vez, surgiu uma miniatura que se conserva em Parma, na Galeria Nacional. Terá sido da colecção de uma sobrinha da infanta, também chamada Maria, princesa de Parma. Durante muito tempo, pensou-se mesmo tratar-se da própria filha do infante Duarte, atendendo à homonimia. Uma outra miniatura chegou à actualidade. Trata-se da terceira cópia que se conhece do óleo de Anthonis Mor. Pertenceu a Fernando II do Tirol e pode ser apreciada no Kunsthistorisches Museum, em Viena. Ainda a partir do mesmo quadro do consagrado pintor flamengo, Hans Collaert e de Hieronymous Cock realizaram, cerca de 1556-1560, uma gravura da infanta D. Maria, impressa em Antuérpia e que faz parte dos espólios de vários museus e bibliotecas peninsulares (Bibliotecas Nacionais de Portugal e de Espanha e Fundação Lazaro Galdiano, de Madrid).
Finalmente, D. Maria também surge numa tábua de Francisco Holanda, de 1552-1553, junto ao papa Júlio III e a vários membros da sua família, tendo como motivo central Santa Maria de Belém, que se acha ladeada por São Jerónimo e Santo Agostinho. A obra foi encomendada por seu sobrinho Duarte e destinava-se ao coro do mosteiro dos Jerónimos. Conserva-se hoje no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa».

In Paulo Drumond Braga, D. Maria, 1521-1577, Uma Infanta no Portugal de Quinhentos, Edições Colibri, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-689-244-9.

Cortesia de Colibri/JDACT