quarta-feira, 10 de julho de 2013

Dona Dulce de Barcelona e Aragão [(1153-1159)-1198]. Nuno Pizarro Dias. «… viria a referenciar, na sua História natural, os limites da navegabilidade desse rio Hiberus, que diz ainda ser bastante rico pelo seu comércio fluvial. Curiosamente, segundo alguns especialistas, este primitivo vocábulo Hiberus, Hibero ou Ibero significaria, literalmente, o rio»

jdact e wikipedia

Todos os Nomes. Regina Domna Dulcia
«Como a personagem do auxiliar de escrita que se motiva a averiguar a vida de uma mulher desconhecida, ao encontrar o seu nome referenciado num verbete da Conservatória, movimentamo-nos em espaços escassamente iluminados. Nenhuma fonte conhecida regista a data e localidade onde nasceu a princesa, filha de Raimundo Berenguer IV de Barcelona e da rainha Petronila de Aragão. Um lacónico registo indica o ano de 1174, mas não o dia e mês, em que se casa com Sancho I, jovem herdeiro já então associado ao trono do primeiro rei de Portugal. Outros registos facultam-nos a data e local da sua morte: 26 de Agosto de 1198, em Coimbra. Sabemos que foi sepultada na igreja do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde não resta hoje qualquer vestígio em sua memória. À semelhança do laureado escritor (José Saramago) deveremos nós também privilegiar a descrição dos grandes espaços do ciclo da vida, para neles desvelar essa desconhecida mulher de nome provençal.
Os ascendentes mais directos da futura rainha portuguesa são os protagonistas de uma história épica. Mestres dos jogos do poder nesse grande tabuleiro de xadrez que se abre sobre a grossa linha pirenaica. Uma estratégia perfeita com que constroem, passo a passo, hegemonias cada vez mais amplas no imenso mosaico de pequenas formações políticas. Um enquadramento feudal em que dispõem dos suficientes recursos para atrair todas as fidelidades.
O ouro, extorquido ao Sul islâmico, que generosamente, distribuem e lhes garante também uma sólida suserania no Languedoc. A partida está sobradamente ganha em 1137, quando a negociação de um acordo de casamento determina o surgimento de uma nova e formidável unidade política. Anos mais tarde, ao consumar-se a mesma união matrimonial, e com os sucessivos nascimentos de pelo menos três filhos e uma filha, a nossa biografada D. Dulce, confirma-se também o nascimento dessa singular confederação. A dinastia condal de Barcelona ascende à realeza e governa a Coroa de Aragão.
Prosseguem os mesmos jogos de poder, mas agora na escala global em que rivalizam todas as grandes monarquias do Ocidente europeu medieval. Nesta nova partida, a família de D. Dulce encontra-se também confrontada com os dois poderes universais do Império e da Igreja. Pugna em que alcançam grandes vitórias como sofrem, naturalmente, enormes derrotas. Em cada jogada, o valor das apostas é proporcional à grandeza das ambições. Não é por mero acaso que os três primeiros monarcas, Raimundo Berenguer IV (1137-1162), Afonso II (1162-1196) e Pedro II (1196-1213), encontram a morre em territórios ultrapirenaicos. A morte do rei, não da dinastia, é também parte significativa do preço a pagar pelo legado de um império finalmente estabelecido, sobre as águas do Mediterrâneo, pelos seus imediatos sucessores.

A génese da grande fronteira
O vale do rio Ebro é o eixo central de um extenso planalto elevado sobre rochas sedimentares, delimitado a norte pela cordilheira cantábrica e os Pirenéus, a sul pelos montes Ibéricos e fechado, ainda, sobre a orla costeira do Levante, pelas montanhas da cordilheira catalã. Plínio, o Velho, que foi procurador da Hispânia Citerior no tempo do imperador Vespasiano, viria a referenciar, na sua História natural, os limites da navegabilidade desse rio Hiberus, que diz ainda ser bastante rico pelo seu comércio fluvial. Curiosamente, segundo alguns especialistas, este primitivo vocábulo Hiberus, Hibero ou Ibero significaria, literalmente, o rio.
Assim, aqueles povos peninsulares do século I, com quem os Romanos mantinham esse proveitoso comércio fluvial, eram povos ibéricos, os povos do rio. E portanto, também o contemporâneo nome alternativo da Hispania, Península Ibérica ou Ibéria, esquecido esse sentido de península ou terra do rio, tem remota origem na denominação primitiva deste grande Ebro. Planalto, montanhas e orla costeira conformam um amplo território, com marcante protagonismo histórico. Território que nos séculos finais do domínio romano (desde a última reforma administrativa do imperador Diocleciano) se individualiza como província Tarraconensis. A sua capital é então a cidade de Tarraco (Tarragona), ligada a Barcino (Barcelona) e a Roma, como às capitais da Baetica e da Cartaginensis, pela via Augusta que acompanha a linha da costa desde Valentia (Valência) até Narbo (Narbona), Massilia (Marselha) e Nicaea (Nice). Uma outra via principal, a que cruzava toda a meseta central ab Asturica Tarraconem, ligava Tarraco a Ilerda (Lérida) e a Caesaraugusta (Saragoça). Vias secundárias seguiam por Calagurris (Calahorra) até aos limites do Alto Ebro. Outras permitiam viajar directamente até Iaca (Jaca), ligada já pelo Summus Pyrenaeus (Somport) a Agnmum (Mont-de-Marsan) e Burdigala (Bordéus) na Aquitânia e de Caesaraugusta a Pompaelo (Pamplona).
Como é sabido, a monarquia visigótica manteve a estrutura administrativa das anteriores províncias romanas e mesmo depois da grave derrota de 507, quando os Pirenéus passam a ser a fronteira com o reino merovíngio, conservou sempre o domínio da Septimânia. Algo menos lembrado é o prolongamento desta monarquia num efémero reino independente, cujo território parece coincidir com estas duas províncias da Tarraconensis e da Septimânia. No imediato da morte do rei Rodrigo e do início da rápida conquista da Península pelos exércitos de Tarik e Muza, um rei visigodo, Agila II, tentava afirmar-se pela cunhagem de moeda em Tarraco, Gerunda (Gerona) e Narbona; e um seu sucessor, chamado Ardo, aparece referenciado em algumas fontes analísticas. A cronologia destes dois reinados, entre 711 e720, é bastante controversa. De qualquer forma, não conseguiram organizar uma significativa resistência».

In Nuno Pizarro Dias, Dona Dulce de Barcelona ([1153-1159]-1198), As Primeiras Rainhas, Círculo de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4703-8.

Cortesia de C. de Leitores/JDACT