terça-feira, 12 de agosto de 2014

A Última Noite que Passei Contigo. Mayra Montero. «Não eram raras as vezes em que Célia regressava trazendo Elena pela mão, divagando por cada esquina da casa como se esperasse encontrar alguma pista. E era na presença da menina que eu ficava doente de remorsos»

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Bolhas de Amor
«(…) Depois fazia-o ele, com menos cautela, desapertando as calças antes mesmo de entrar novamente no carro. Meia hora depois, apareciam os dois, cada um para o seu lado, ela pálida, ajeitando a saia, e ele mais sereno, vestindo a camisa, apertando o cinto e bocejando. Na manhã seguinte, eu comentava-o com Célia, que imediatamente defendia a filha. No carro falavam mais tranquilos, dizia ela. E, aliás, dentro de pouco tempo, iriam casar-se. O resultado foi que na mesma noite do seu casamento sonhei que estava dentro do carro de Alberto. Alberto é o nome do meu genro, massacrando uma rapariga que não era a minha filha, mas sim a sua melhor amiga. Contei-o a Bermúdez, como quem conta uma piada, introduzindo um riso sarcástico, ainda que por dentro me contorcesse de receio, omitindo o mais elementar. E era jeitosa?, perguntou Bermúdez. Olhei-o alarmado e ele acreditou que não tinha entendido. Esfregou as mãos antes de insistir. Perguntava eu se era jeitosa, a amiga da tua filha. No sonho, sim. Na vida real, juro que não reparei. Nunca gostei de miúdas, nem sequer quando tinha idade para gostar delas. Célia, por exemplo, era três anos mais velha do que eu, e era das mulheres mais jovens que eu tinha tido na vida. Aos dezoito anos envolvi-me com uma senhora que tinha nascido no mesmo ano que a minha mãe. E aos vinte e cinco, poucos meses antes de me casar, estive prestes a cancelar o casamento por causa de uma mulata, cantora de rancheras, com a qual celebrei, além da minha despedida de solteiro, o seu aniversário número cinquenta e dois. Estabilizei com Célia, e em todos estes anos não me lembro de lhe ter sido infiel mais do que em duas ou três ocasiões: quando se foi embora para visitar o pai doente, que é o pretexto mais comum que as mulheres costumam arranjar para terem de se ausentar. Aquelas infidelidades deixavam-me insatisfeito. No dia seguinte acordava com uma espécie de ressaca da alma, de mau humor e não conseguia lembrar-me da cara da minha companheira casual sem que me viesse à boca uma náusea traiçoeira. Não eram raras as vezes em que Célia regressava trazendo Elena pela mão, divagando por cada esquina da casa como se esperasse encontrar alguma pista. E era na presença da menina que eu ficava doente de remorsos. Abraçava-a com algo parecido a desespero, e abraçava a mãe, que entretanto me observava com uma expressão fixa, fixa e gélida, com um olhar insustentável. Nunca soube se Célia suspeitava daquelas minhas escapadelas miseráveis. Quanto a si, regressava radiante. O estado grave do pai tinha um efeito rejuvenescedor não só no seu rosto, como também nos seus hábitos. Deixávamos a filha a brincar na sala e ela arrastava-me em direcção à cama, excitada como uma gata vadia, deitava-me de costas, primeiro de costas, e sentava-se sobre a minha nuca, com uma perna de cada lado. Agora, vira-te. Obedecia-lhe, é claro, ficava totalmente exposto ao universo vermelho e preto da sua carne, e então aplicava aquela carícia de medusa que ia desde os meus lábios até à minha testa, detendo-se por um momento no meu nariz, só por um instante, para depois voltar atrás, desde a minha testa até à minha língua. Assim continuava incansável. Balançando-se com as duas mãos, que se contorciam à beira da cabeceira, remando absorta sobre a calma do meu rosto durante um quarto de hora, talvez mais, até que eu a detinha, imobilizando-a pela cintura, e afastava com dificuldade o meu rosto encharcado. Rogava--lhe que descesse, uma súplica que ela tratava de ignorar até que eu com mais firmeza a empurrava para trás, obrigava-a a ceder, beliscava-a furiosamente no seu verdadeiro trono e me dedicava, em primeiro lugar, a desabotoar-lhe a camisa (ela própria nunca tinha tempo de a tirar), para logo a puxar para a frente, apertar os seus peitos contra a minha boca e recompensar-me contra aqueles dois peitos que, ao cabo de tantos dias, sempre me pareciam um pouco mais escuros. Uma vez perguntei-me que tipo de ilusão, encontrada junto ao pai, a faria regressar daquela maneira». In Mayra Montero, La última noche que pasé contigo, Barcelona, Tusquets Editores, 1991, A Última Noite que Passei Contigo, colecção Pena de Galo, Editora Bico de Pena, Lisboa, 2008, ISBN 978-989-621-054-0.

Cortesia de Bico de Pena/JDACT