quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria Violante Branco. «Nesse mesmo ano de 1154 em que Sancho havia de nascer, Frederico I, o famoso imperador Barba Roxa, embarcava na primeira campanha italiana, que haveria de terminar com a sua coroação imperial em Roma, em 1155»

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A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) Mesmo dando alguma margem para as prováveis ausências da cúria régia e da esfera de influência de seu pai, durante o período da sua criação, que passara decerto em ambiente rural, não é possível conceber que o jovem futuro rei não tivesse comparticipado da fervilhante vida de corte em Coimbra ou que fosse mantido afastado dos meandros da política que seu pai e seus conselheiros traçavam e tentavam executar, não sem poucos revezes, pelo menos desde meados do século XII. E esses conselheiros estavam, podemos sabê-lo, muito entrosados no que se passava por toda a Europa cristã e tudo indica que não agiam levianamente; pelo contrário, os seus passos no apoio que davam à nascente monarquia portuguesa parece terem sido bem calculados e medidos, baseados em sólidos conhecimentos dos meandros e das circunstâncias políticas, na Península Ibérica e fora dela, nos meios leigos e nos eclesiásticos. Quando Sancho nasceu, o Papado acabava de ser entregue nas mãos de um cónego regrante, oriundo de São Rufo de Avinhão, o inglês que viria a ser conhecido como Adriano IV. As ligações deste papa aos regrantes e sobretudo aos de São Rufo de Avinhão deviam agradar muito aos portugueses. Com efeito, São Rufo de Avinhão tinha nessa altura uma posição já muito bem estabelecida como casa mentora de apoio e suporte às ambições dos condes de Barcelona, papel que tinham iniciado logo em finais do século XI, ao ajudar os condes a utilizar o seu enfeudamento directo a Roma como forma de legitimar a ambição de se afirmarem como reis independentes de Aragão.
A canónica de Santa Cruz de Coimbra, fundada nos anos 30 do século XII com a estreita colaboração e empenho do futuro arcebispo de Braga, João Peculiar, também ele um cónego regrante e mentor dos interesses de Afonso Henriques na cúria pontifícia, mantinha com São Rufo de Avinhão, desde a sua fundação, uma relação de estreita filiação e dependência. Desse modo, as influências recebidas por essa via e o facto de o novo papa ser alguém oriundo de meios religiosos e intelectuais tão ligados aos conimbricenses deve ter parecido um auspicioso factor para quem representava os interesses portugueses na cúria.
Nesse mesmo ano de 1154 em que Sancho havia de nascer, Frederico I, o famoso imperador Barba Roxa, embarcava na primeira campanha italiana, que haveria de terminar com a sua coroação imperial em Roma, em 1155. Claro que essa coroação não iria garantir uma paz que teoricamente se queria duradoura entre os poderes, mas que a realidade da natureza desses mesmos poderes nunca poderia consentir. Apenas saídos de uma difícil situação na sequência dos sucessivos cismas e desentendimentos que tinham abalado as relações entre Papado e Império nas décadas anteriores, pouco mais os aguardava, ao papa e ao imperador, intermináveis querelas e guerras. Logo em 1158 e 1159, com os sucessivos recontros conflituosos entre os legados pontifícios e o chanceler de Frederico I, com as pretensões do Império ao poder universal e com as inusitadas exigências do Barba Roxa às cidades italianas que acabava de dominar militarmente, o ambiente estava receptivo ao que se preparava. Quando, em Setembro de 1159, Alexandre III foi eleito papa, e facção imperial reagiu de imediato e fez eleger, nesse mesmo dia, o seu próprio candidato, o antipapa Vítor. Durante os cerca de vinte anos seguintes, até 1177-1178, quando o cisma terminou, o Império iria continuar a investir na estratégia de fazer os seus próprios papas, continuando, ao criar mais três antipapas depois deste, a alimentar quase duas décadas de guerras e disputas pela supremacia no poder. As excomunhões de Frederico I pelo papa foram, como de costume nestes casos, ineficientes, não conseguindo aplacar um conflito que só depois das difíceis pazes de Agnani e Veneza, em 1177 e 1178, conseguiria ver regressar uma precária paz institucional. Apesar das tentativas esboçadas, seria preciso esperar-se por 1198 e pelo pontificado de Inocêncio III (1198-1216) para se assistir a uma recuperação do predomínio do poder espiritual sobre o temporal com hipóteses de verdadeiro sucesso. Mas o apogeu da chamada Época dos Papas canonistas não era para já, e o papa Alexandre III teria ainda de suportar muitas provações antes de pacificar a situação». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT