sábado, 2 de agosto de 2014

Breve História da Censura Literária em Portugal. Graça Rodrigues. «Alguma cousa o ofendeu; as razões que o embaixador do Prestes nela dá sobre as cousas da fé contra o bispo Adaião e mestre Margalho irem mui fortes e as que eles dão contra o embaixador serem mais fracas»

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Os Arquétipos. A Censura Inquisitorial
«(…) A 29 de Novembro os dois impressores mais importantes de Lisboa, Luís Rodrigues e Germão Galhardo são notificados por Jorge Coelho, sob ordens do inquisidor João Melo: Que não deviam imprimir cousa alguma, sem primeiro mostrarem aos censores nomeados, sob pena de execução e de dez cruzados de multa para as despesas da Inquisição (maldita). Os resultados desta nova organização da censura preventiva e do controlo dos portos e alfândegas não se fizeram esperar. Logo em 1541 é proibida em Portugal a venda da obra de Damião de Góis Fides, religio, moresque Aethiopum, publicada em Lovaina por Rutger Rescius, em 1540, e em Paris em 1541. A 28 de Julho de 1541, Damião de Góis recebe uma carta do próprio cardeal infante Henrique, Inquisidor-Geral, explicando-lhe a razão que teria levado o oficial da Santa Inquisição (maldita) a decidir da proibição da sua obra em Portugal: Alguma cousa o ofendeu; as razões que o embaixador do Prestes nela dá sobre as cousas da fé contra o bispo Adaião e mestre Margalho irem mui fortes e as que eles dão contra o embaixador serem mais fracas.
A razão da proibição era, portanto, que o peso dos argumentos do embaixador do Prestes, Zagazabo, a favor da fé e costumes dos etíopes eram mais fortes que os argumentos contrários dos censores portugueses, bispo Diogo Ortiz, Deão da Capela Real, e mestre Pedro Margalho. É interessante notar aqui que foi precisamente este escrito de Damião de Góis que lhe valeu o título de Historiador da Etiópia que lhe concedeu o humanista Benito Arias Montano no epitáfio que para ele compôs. Para Portugal, no entanto, fora duma Igreja não havia salvação. Outro ponto também interessante de mencionar é o facto de o cardeal infante Henrique, na primeira carta que escreve a Damião de Góis, lhe mencionar o perigo de tais ideias chamarem sobre si a reprovação dos portugueses, tão facilmente escandalizáveis e, como acrescenta, pois sabeis que gente é a portuguesa e quanto folga de reprehender. A decisão oficial coadunava-se, portanto, com uma certa opinião pública que seria interessante analisar do ponto de vista psico-sociológico.
No entanto, é de salientar que este processo de censura do opúsculo de Damião de Góis decorreu num ambiente de afabilidade, digamos mesmo: quase de diálogo. O cardeal Henrique escreve uma primeira carta a Damião de Góis que lhe manda duas em resposta e o próprio cardeal envia-lhe uma segunda. Este ambiente de cordialidade vai mudar com a publicação dos índices. O primeiro rol português de livros proibidos saiu em 1547, por provisão de 28 de Outubro do cardeal-infante Henrique, Inquisidor-Geral. O índice baseia-se, em primeiro lugar, em catálogos e proibições avulsas da actividade censória da Faculdade de Teologia de Paris. Outras fontes foram, igualmente, os índices espanhóis de 1547, de 1545 e, provavelmente, de 1540 e as censuras elaboradas pela Universidade de Lovaina e pela Inquisição (maldita) flamenga. Este índice vem precedido duma carta do cardeal-infame onde se ordena que em virtude de obediêmcia e sob pena de excomunhão que daqui em diante non tenhão em seu poder nem leão pellos livros abaixo declarados. Na mesma carta se inicia uma regra da Inquisição (maldita) portuguesa particularmente grave: não são proibidos apenas os livros expressamente mencionados no índice que se segue mas outros quaesquer sospeitosos na ffee. Naturalmente que esta regra deixava grande poder de decisão aos inquisidores, pois acobertava um número ilimitado de argumentos. Em 1550-1551 a atmosfera intelectual portuguesa sofre uma profunda mudança». In Graça Almeida Rodrigues, Breve História da Censura Literária em Portugal, Instituto de Cultura Portuguesa, Série Literatura, Biblioteca Breve, Amadora, 1980.

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