sábado, 23 de agosto de 2014

Em Ferros d’El-Rei. Paulino Oliveira. «A sua obra é multímoda, espraiando-se por diversas áreas: o jornalismo, a poesia, a ênfase na recuperação de algumas personalidades de inequívoco mérito das letras nacionais, a pedagogia, a valorização dos 'ex-líbris' de Setúbal…»

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Prefácio
«(…) Em Setúbal, o seu quotidiano foi preenchido com o exercício da profissão, guarda-livros, o jornalismo e a divulgação dos princípios do republicanismo. Em 1893, por motivos políticos, conheceu as agruras do despedimento. Em Janeiro do ano seguinte, partiu para o Ambriz, Angola, em busca de um futuro mais risonho. O sonho africano foi obliterado, ao fim de alguns meses, pela doença. De regresso à sua terra natal, como recorda João Francisco Envia, foi industrial de colchoaria. Teve ainda oficina de mobiliário, instalada na Rua de Santo António, e estabelecimento de vendas, na Praça de Bocage, empregando numerosos operários. Mais tarde, fez parte dos quadros da fábrica de conservas Aurora, que pertencia a José Joaquim Fragoso.
No início da década de 90 do século XIX, o juiz João Baptista Castro veio exercer para Setúbal. Ficou nos anais da república portuguesa porque lhe coube assinar, em 1911, a directiva que estipulava a inclusão de Carolina Beatriz Ângelo nas listas de cidadãos que podiam exercer o seu voto para a eleição da Assembleia Constituinte. Esta tarefa ingente impunha-se porquanto era necessário erigir um regime estruturado e alternativo ao da monarquia, pouco antes derrubada. De acordo com a legislação promulgada pelo governo provisório, coordenado por Teófilo Braga, apenas os chefes de família podiam expressar nas urnas as suas opções políticas. Por ter enviuvado, aquela médica reivindicou essa prerrogativa, tornando-se a primeira mulher portuguesa a votar. Abra-se um parêntesis para recordar que, como é do domínio público, só em 1931, foi contemplado o direito de voto para as mulheres, desde que tivessem, no mínimo, o curso secundário completo.
O mencionado magistrado teve pelo menos dois filhos: o poeta e jurista Alberto Osório Castro, cuja obra está injustamente esquecida, e Ana de Castro Osório. A esta escritora muito deve a literatura, designadamente a infantil e a tradicional, a pedagogia, o movimento em prol do divórcio, a edição de obras de vulto e a propaganda republicana. A 10 de Março de 1898, casou-se, na freguesia da Anunciada, com Paulino Oliveira. A respectiva prole chegou pouco depois: João Osório Castro e José Osório Oliveira, nascidos em 1899 e em 1900. Ambos trilharam também a senda das letras, legando-nos uma extensa obra, nomeadamente o último.
Em 1908, Paulino Oliveira, vítima de perseguição política, foi forçado a demandar o exílio em terras brasileiras. O 5 de Outubro de 1910 constituiu um imperativo categórico para regressar ao país. Depois de uma experiência fugaz pelo jornalismo, foi nomeado, em Maio de 1911, cônsul em S. Paulo. A tuberculose, a doença da época, foi inexorável, tendo ali falecido a 13 de Março de 1914. Os seus restos mortais foram trasladados, em 1922, para um jazigo de família que se encontra no cemitério de Setúbal. A obra de Paulo Oliveira é multímoda, espraiando-se por diversas áreas: o jornalismo, a poesia, a ênfase na recuperação de algumas personalidades de inequívoco mérito das letras nacionais, a pedagogia, a valorização dos ex-líbris de Setúbal, bem como a afirmação e a divulgação dos princípios que enformavam o P.R.P., ou seja, o Partido Republicano Português.

O jornalismo
A actividade jornalística constituiu uma das paixões de Paulino Oliveira: estava em sincronia com a sua personalidade e o seu ideário. Dava-lhe, com efeito, a possibilidade de ensaiar os seus voos poéticos, de partilhar as suas crónicas, de manifestar as suas opções literárias, de intervir socialmente e de expressar os princípios do republicanismo, causa que abraçou com entusiasmo.
Na verdade, Paulino é um caso sui generis do jornalismo português. Foram da sua responsabilidade a fundação, edição ou redacção de sete periódicos:
  • A Estreia Literária, quinzenário literário e noticioso (1886), que, ao fim de 12 números, deu lugar à Semana Setubalense, folha independente, política, literária e noticiosa (1886-1887); 
  • A Opinião (9 Junho 1889-31 Agosto 1890); 
  • O Eco de Setúbal: semanário republicano (1893); 
  • O Mês: crónica da vida setubalense (Novembro 1894), que redigiu integralmente quando regressou de África; 
  • O Pregoeiro (1903); 
  • O Radical, na sequência do 5 de Outubro, em 1911, com o intuito de desmascarar os republicanos convertidos à última hora.
Tal como aconteceu com Ana de Castro Osório, a sua colaboração esporádica em jornais e revistas é extensa, sendo consequentemente árdua a respectiva inventariação integral. Recordemos alguns: Branco e Negro, O Perfume, Ave Azul, O Distrito, Gazeta Setubalense, O Elmano, Arrábida, Boémios, Comércio do Vez, Ilustração Portuguesa, Novo Aurora, A Crónica, A Pátria a Garrett, Sociedade Futuro, Garcia de Resende, Limiana e, postumamente, A Voz da Mocidade, Ideia Nova e Descobrimento».
In Paulino de Oliveira, Em Ferros d’El-Rei, Considerações acerca da minha prisão, Typ. Da Companhia Nacional Editora, Lisboa, 1893, Prefácio de Daniel Pires, Centro de Estudos Bocageanos, Setúbal, 2012, ISBN 978-972-8361-45-7.

Cortesia de CEBocageanos/JDACT