sábado, 30 de agosto de 2014

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Após a morte de Sancho de Castela (1159), tornou-se o seu território campo de inúmeras lutas, em que também interveio Fernando de Leão. Este conseguiu em 1160 apossar-se de grande número de lugares fortificados castelhanos»

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Alexandre III
«(…) Mas o arcebispo João Peculiar sabia muito bem que não possuía direitos de metropolita sobre Évora; o lugar pertencia à Lusitânia, portanto à província eclesiástica de Mérida-Compostela. O exemplo de Lisboa, que com igual certeza era lusitana e por isso não havia podido ser mantida por João Peculiar, reteve-o de usurpar inutilmente os direitos compostelanos. Fez por isso apenas aquilo que a situação da guerra e a necessidade de imediato provimento da Sé episcopal podiam justificar: fez a sagração mas não exigiu obediência ao novo bispo, que devia ficar sujeito ao arcebispo de Compostela. Não urgia, porém, prestar obediência a Santiago. O rei Afonso Henriques, por um lado, não queria saber de tal, e por outro a pobreza da igreja de Évora dava ao bispo suficiente pretexto para não fazer a longa viagem a Santiago. Assim ficou sem resolver a questão do bispado. Dava-se quase a mesma coisa com a maioria dos bispados portugueses. Quanto ao de Lisboa, tinha-se Afonso Henriques visto obrigado a consentir (1158) que o bispo Gilberto reconhecesse Compostela como sua metrópole. Mas, quando o bispo Gilberto morreu em 1166, bem soube o rei mais uma vez conseguir a sagração do sucessor pelo arcebispo João Peculiar. Por outro lado, Compostela nunca abandonara as suas pretensões aos bispados de Coimbra, Viseu e Lamego, e por isso o arcebispo de Braga podia considerar como pertencendo incontestavelmente à sua província, de entre todos os bispados portugueses, só o bispado do Porto.
Isto constituía uma contínua fonte de incertezas e tinha de levar infalivelmente a um conflito, logo que em Santiago acabassem as confusas questões internas de que sofria o arcebispado no tempo de Fernando II e governasse um arcebispo enérgico; o rei de Portugal porém, que era quem mais estava interessado na regularização destas questões, tinha todos os motivos para proceder sempre com extrema cautela. A isto acrescia a questão do primado de Toledo, ainda não resolvido definitivamente. Os direitos toletanos continuavam imutáveis, e também aqui se esperava na primeira oportunidade nova perturbação. Tal oportunidade surgiu em breve. Após a morte de Sancho de Castela (1159), tornou-se o seu território campo de inúmeras lutas, em que também interveio Fernando de Leão. Este conseguiu em 1160 apossar-se de grande número de lugares fortificados castelhanos, e sobretudo ficou Toledo nas mãos dos seus sequazes durante anos seguidos. Desta forma, os direitos de primazia sobre Braga, que a separação de Castela e Leão havia tornado politicamente absurdos, ganharam de novo certa importância, e não levou por isso muito tempo sem que o arcebispo João de Toledo fizesse mais uma vez surgir a velha questão.
Encontrou-se em Anagni com Alexandre III nos princípios de 1161 e conseguiu aí que o papa mandasse em 26 de Fevereiro nova bula ao arcebispo de Braga e seus sufragâneos, ordenando-lhes que obedecessem ao primaz de Toledo. Em caso de desobediência, passaria, como sanção, o bispado de Zamora pare Toledo. Dois anos mais tarde, em 11 de Julho de 1163, Alexandre III foi ainda mais longe e desligou de obediência os sufragâneos, se o arcebispo João Peculiar se não submetesse». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT