quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A Conquista de Lisboa. 1578 1583. Violência Militar. Comunidade Política. Rafael Valladares. «Uma linha diagonal imaginária divide a cena em dois planos perante o espectador. O que fica do lado direito reúne, pela sua proximidade e apresentação, o que há de mais relevante na obra, ao situar-nos diante de um grupo de três belos cavalos…»

jdact

Violência. Um fresco pintado em Génova
«(…) Dificilmente poderia ter sido de outro modo, embora, chegados a 1633, Tommaso fosse considerado um republiquista desleal, na avaliação de um espanhol. Todavia, na década de 1610-1620, as relações da família hispano-genovesa atravessavam uma etapa idílica. Lugares à parte, pois a banca lígure governava boa parte das finanças católicas, o protagonismo militar de alguns ilustres genoveses nos campos de batalha espanhóis havia arrecadado ganhos consideráveis. Na Primavera de 1606, Ambrosio Spinola (filho de uma Grimaldi) foi recebido em Génova como herói da tomada de Ostende, nos Países Baixos, que tivera lugar dois anos antes. De facto, os Spinola foram os responsáveis pela decoração da casa do cunhado de Ambrosio, com um ciclo sobre a guerra da Flandres, realizado por Andrea Ansaldo entre 1622 e 1625. Este empreendimento pôde bem responder aos ciúmes causados por outro esplendoroso ciclo de sete frescos que o mesmo Tavarone realizara em 1614 em Il Paradiso, a residência de Giacomo Saluzzo, no qual festejava a conquista de Antuérpia por Alejandro Farnesio em 1585. Portanto, nada de invulgar se poderia encontrar em obras que, ao mesmo tempo que exaltavam a glória e fixavam as posições de uma oligarquia velha rival de outra nova, serviam também para simbolizar os laços que uniam ambas àquele que fora o patrono por excelência da Itália espanhola, Fernando Alvarez Toledo, terceiro duque de Alba, e mais ainda ao pai protector da liberdade da república numa Europa de príncipes ambiciosos: o rei de Espanha.
Deste modo, todas as questões realmente colocadas pelo fresco de Tavarone têm que ver com um fenómeno bem distinto; ou seja, com uma face menos conhecida de uma agregação política, a de Portugal em 1580, que resultou em grande medida de negociação, mas foi também imposta, em não menor grau, por uma conquista militar. E o que nesta portentosa pintura se deixa contemplar remete para esta última, por mais idealizada que o seu autor a recriasse. Uma linha diagonal imaginária divide a cena em dois planos perante o espectador. O que fica do lado direito reúne, pela sua proximidade e apresentação, o que há de mais relevante na obra, ao situar-nos diante de um grupo de três belos cavalos cuja sequência cromática estabelece a hierarquia dos seus cavaleiros: branco para o duque de Alba, que enverga a armadura e uma capa encarnada de general; pardo para o seu acompanhante, talvez o seu filho bastardo, Hernando, grão-prior da ordem de São João de Jerusalém, ou o próprio Francesco Grimaldi; e cor-de-canela para um terceiro cavaleiro, apresentado em perspectiva para não retirar protagonismo, pela possível identificação, ao grande Toledoe. A formar um eixo com Alba, um infante apeado olha para o espectador, para atrair ainda mais a nossa atenção para o duque. O segundo plano mostra o cenário do acontecimento militar decisivo que teve como desfecho a incorporação de Portugal nos domínios de Filipe II: a batalha de Alcântara. Ao fundo dividem-se, à esquerda e à direita, as colinas de Lisboa e o estuário do Tejo, onde estão prestes a iniciar combate as armadas inimigas de António de Avis (ou do Crato) o opositor do Prudente, e do marquês de Santa Cruz. Mais próximo, entre este fundo e o grupo de Alba, abre-se o campo do barranco de Alcântara, adjacente à cidade, onde em poucas horas, depois do amanhecer de 25 de Agosto de 1580, a vitória do duque conseguiria arrebatar a chamada princesa, Lisboa, para o seu rei.
Tudo isto se passou mais ou menos assim, embora não tenha sido só isto a acontecer. Decerto que Tavarone contava com fontes bem conhecidas para se inspirar, como a referida obra do seu compatriota Conestaggio, além das versões que o próprio meio dos seus patronos genoveses lhe transmitiria sobre a jornada portuguesa. De ambas as partes, o pintor teria sabido que outros tipos de violência, como os roubos e as pilhagens, a habitual indisciplina, acompanharam a entrada do exército dos Áustrias em Portugal, uma força que, só nos dispositivos de infantaria, cavalaria e aparato de artilharia, oscilou entre os 18 e os 20 mil homens». In Rafael Valladares, A Conquista de Lisboa, 1578-1583, Violência Militar e Comunidade Política em Portugal, Texto Editores, Alfragide, 2010, ISBN 978-972-47-4111-6.

Cortesia de TextoEdit/JDACT