quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A Noite Abre Meus Olhos. Tolentino Mendonça. «Anda atravessar os velhos pórticos e depois fica sem saber em que tempo estamos ou se teremos ainda que morrer. Anda, é manhã sim mas já é tarde e tu sabes»

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Olhar sobre a cidade
«Tão perto o sol nasce
da planície que
o esconde.
Vem sentir o cheiro das amendoeiras
pelas ameias daquelas casas
guerreiro ágil.
Anda atravessar os velhos pórticos
e depois fica
sem saber em que tempo
estamos
ou se teremos ainda
que morrer.
Anda, é manhã sim
mas já é tarde
e tu sabes».


Travessa da infância
«Quietos fazemos as grandes viagens
só a alma convive com as paragens
estranhas.
Lembro-me de uma janela
na Travessa da Infância
onde seguindo o rumor dos autocarros
olhei pela primeira vez
o mundo.
Não sei se poderás adivinhar
a secreta glória que senti
por esses dias.
Só mais tarde descobri que
o último apeadeiro de todos
os autocarros
era ainda antes
do mundo.
Mas isso foi
muito depois,
repito».
Poemas de José Tolentino Mendonça, in ‘A Noite Abre Meus Olhos

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