terça-feira, 21 de outubro de 2014

República e Republicanismo. Maria C. Proença e Luís Farinha. «A organização das forças civis do movimento foi confiada à Carbonária. Nos dezoito meses entre o “Congresso de Setúbal” e a “Revolução do 5 de Outubro” multiplicaram-se os trabalhos de organização do movimento para evitar que se repetissem os malogros de 1891 e 1908»

O Zé Povinho
Cortesia de wikipedia

A Ideia e os símbolos
«(…) Os primeiros, fiéis à tradição do movimento vencido, tinham a consciência de que a natureza do regime monárquico só lhes permitiria ascender ao poder pela via revolucionária. No Sul, pelo contrário, era maioritária uma linha mais moderada que manifestava tendência para aglutinar os elementos monárquicos fiéis aos princípios do liberalismo tradicional, com os quais pretendia, em momentos de crise, formar alianças que sempre se tinham mostrado inoperantes. Os republicanos da zona norte, embora reconhecessem a impossibilidade de pôr em prática, de imediato, qualquer solução revolucionária, opunham-se às coligações empreendidas até então, e preferiam optar pela abstenção a intentar qualquer tipo de colaboração com outras forças políticas. Com a subida de João Franco ao poder a acção repressiva da ditadura viria a provocar uma mudança na definição da estratégia do PRP onde gradualmente a linha que defendia a acção revolucionária foi ganhando terreno perante a linha mais moderada. Esta modificação levou os republicanos a procurarem a aliança com outras forças. Entre as organizações que se juntaram ao PRP para levar a efeito o derrube da Monarquia pela luta armada, destacaram-se a Carbonária, entre os civis, e a Corporação dos Sargentos, entre os militares. Com a agitação política e a repressão que se verificou ao longo de todo o ano de 1907, intensificou-se a campanha do Partido Republicano cuja propaganda revestia aspectos de extrema violência, como aconteceu na visita de João Franco ao Porto, onde as impressionantes manifestações de hostilidade deram origem a recontros entre o povo e a polícia, de que resultaram numerosas vítimas e um considerável número de prisões, ocorridas em consequência das agitadas manifestações de desagrado com que o ditador foi recebido à sua chegada a Lisboa.
A gravidade da situação do país e a obstinada atitude de João Franco no governo acabaram por quebrar as hesitações do Partido Republicano e conduzir à organização de um golpe revolucionário que contou com a participação da Carbonária e dos dissidentes de José Alpoim. A participação da Carbonária foi decisiva, pressionando o Directório do PRP que se mostrava indeciso quanto à possibilidade de enveredar decisivamente pela via da revolução armada. Para a organização deste movimento, os contactos entre o Directório e a organização revolucionária foram estabelecidos através de António José de Almeida. Uma denúncia de um dos conjurados levou à prisão dos principais organizadores. A 28 de Janeiro de 1908 foram presos vários líderes republicanos, naquele que ficou conhecido como o Golpe do Elevador da Biblioteca. Afonso Costa e o visconde de Ribeira Brava foram apanhados de armas na mão no dito elevador, conjuntamente com outros conspiradores, quando tentavam chegar à Câmara Municipal. António José de Almeida, o dirigente Carbonário Luz Almeida, o jornalista João Chagas, João Pinto Santos, e Álvaro Poppe contavam-se entre os noventa e três conspiradores presos. José Maria Alpoim conseguiu fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade, mas foram facilmente dominados pelas forças fiéis ao governo.
À agitação que se ia tornado irreprimível, a ditadura continuava a responder com repressão. Em 31 de Janeiro, o rei, em Vila Viçosa, assinava o decreto que permitia ao governo expulsar do país todos os que fossem pronunciados por crimes compreendidos no Art. 1.º do Decreto de 21 de Novembro de 1907. No dia seguinte o rei Carlos I iniciava o seu fatídico regresso à capital. Da descrição do Regicídio e da possível participação do PRP no violento acto levado a efeito por Buíça Costa, existem vários e contraditórios relatos, mas nunca foi possível provar cabalmente a colaboração do Partido Republicano com os regicidas. Com este acto violento encerraram-se definitivamente as tentativas de engrandecimento do poder real, que anunciadas pelos arautos da Vida Nova, tiveram o seu mais duro e implacável defensor em João Franco. Paradoxalmente , a queda da Monarquia que se aproximava, tinha por obreiros aqueles que propunham escudar-se na autoridade para a reformar e engrandecer.

A Monarquia Nova e o Congresso de Setúbal
Apesar dos reveses sofridos os republicanos não abandonaram a sua acção de propaganda. Aliás a Monarquia Nova do monarca  Manuel II, embora procurasse pôr em prática algumas das reformas preconizadas pelos republicanos, enredava-se numa série de escândalos de índole financeira (questão dos adiantamentos, caso Hinton, ruína do Crédito Predial) acompanhados por diversas questões religiosas que puseram em foco o anticlericalismo existente entre as massas populares afectas aos republicanos. Estes que tinham conseguido aumentar substancialmente a sua representação parlamentar nas eleições de Abril de 1908, aproveitaram esta vantagem para uma vigorosa campanha para as eleições municipais do mesmo ano. Não obstante a oposição dos principais partidos monárquicos, as eleições realizaram-se em Novembro de 1908 e constituíram uma importante vitória para os republicanos que não só conquistaram todos os lugares da Câmara de Lisboa, como uma digna representação maioritária ou minoritária em muitos concelhos do país.
Estes triunfos eleitorais não fizeram desistir a facção que no PRP continuava a defender a via revolucionária. No Congresso de Setúbal, em que pela primeira vez esteve representada uma organização feminina, a recém-criada Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, saiu eleito um novo Directório a quem foi confiado o mandato imperativo de fazer a revolução. Na sua acção de preparar a revolução o novo Directório seria acompanhado por uma Junta Consultiva e uma Junta Administrativa. A acção de propaganda e combate destes elementos da organização partidária, era, como vimos, completada por uma notável obra de instrução e esclarecimento a cargo dos centros republicanos espalhados pelo país e de mais de meia centena de jornais, revistas e outras publicações periódicas que desenvolveram também uma importante acção de propaganda e divulgação dos ideais republicanos. Esta acção esclarecedora foi de grande importância para a preparação cívica de grandes camadas da população que, progressivamente, iam sendo aliciadas para as fileiras republicanas. A divulgação dos novos ideais corria a par com o descrédito da monarquia, bem visível nos grandes comícios de Agosto de 1910 e no aumento da representação parlamentar obtido nas eleições do mesmo mês. Para consumar a obra que lhe fora confiada de preparar e organizar a revolução, o Directório republicano eleito em Setúbal, tinha começado por organizar comités revolucionários para estabelecer as ligações especialmente com as unidades militares do exército e da armada. A organização das forças civis do movimento foi confiada à Carbonária. Nos dezoito meses entre o Congresso de Setúbal e a Revolução do 5 de Outubro multiplicaram-se os trabalhos de organização do movimento para evitar que se repetissem os malogros de 1891 e 1908». In Maria C. Proença e Luís Farinha, República e Republicanismo, Instituto Camões, Março 2009.

Cortesia de ICamões/JDACT